21 de maio de 2010

APAGAO DE MAÕ DE OBRA QUALIFICADA

Apagão de mão de obra qualificada?, artigo de Naercio Menezes Filho

"Se houver algum apagão de mão de obra qualificada no Brasil, é de mão de obra pós-graduada"

Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor associado da FEA-USP. Artigo publicado no "Valor Econômico":



O Brasil sempre esteve muito atrasado em termos educacionais, mesmo em relação a países com menor nível de desenvolvimento. Mas está na moda hoje em dia falar do apagão de mão de obra qualificada que estaria acontecendo no Brasil. Segundo essa tese, a demanda por trabalhadores qualificados estaria crescendo a uma taxa superior à sua oferta, o que estaria restringindo o crescimento econômico brasileiro e aumentando o salário dos trabalhadores mais qualificados. Será que essa tese tem apoio nos dados?



Uma das únicas teorias universalmente aceitas na economia é a lei da oferta e da procura, que diz que sempre que há excesso de demanda por um produto, seu preço relativo deve subir. Isto também acontece com a educação. O preço relativo da educação é dado pelo diferencial de salário que as pessoas mais educadas recebem no mercado de trabalho. Assim, se a demanda por um grupo educacional estiver crescendo a um ritmo superior à sua oferta, o diferencial de salário dos trabalhadores desse grupo, com relação ao nível imediatamente abaixo, também deve crescer. Utilizando este critério, será que existe excesso de demanda por trabalhadores de algum extrato educacional no Brasil?



Para responder esta questão, veja a evolução dos diferenciais de salário por educação no Brasil nos últimos 16 anos. Ela mostra que, em 1992, as pessoas que completavam o ensino médio ganhavam em média 80% a mais do que as que terminavam somente o primeiro ciclo do ensino fundamental. Hoje em dia elas recebem 60% mais. Isso aconteceu porque, em 1992, para cada duas pessoas que abandonavam os estudos na 4ª série, uma concluía o ensino médio. Hoje em dia a situação é praticamente oposta. Ou seja, o crescimento da oferta relativa de trabalhadores com ensino médio diminuiu o seu diferencial de salários. A oferta cresceu mais rápido do que a demanda.



Com relação ao ensino superior, o seu diferencial de salários com relação aos concluintes do ensino médio era de 120% em 1992, aumentou para 160% em 2002 e declinou nos últimos 6 anos, até atingir 150% em 2008. Isto aconteceu porque a razão entre concluintes do ensino médio e do superior cresceu de 2,6 para 3,4 entre 1992 e 2002, mas declinou para 3,2 em 2008. Ou seja, devido ao alto retorno do ensino superior, mais jovens entraram na faculdade, o que diminuiu o diferencial de salários. A oferta cresceu mais rápido do que a demanda.



E quanto aos pós-graduados? Este é um grupo muito pouco estudado no mercado de trabalho brasileiro. As pesquisas domiciliares do IBGE nos permitem investigar o perfil dos trabalhadores que concluem os programas de mestrado e doutorado no Brasil. Seu número aumentou de 161 mil em 1992 para 586 mil em 2008, cerca de 260%. Segundo a Capes, o Brasil está formando hoje em dia quase 40 mil mestres e 10 mil doutores por ano, um crescimento significativo com relação ao passado recente. Ainda assim, hoje há cerca de 17 graduados para cada pós-graduado no Brasil. Por isto, o diferencial salarial entre mestres/doutores e formados no ensino superior, que era de 40% em 1992, passou para 70% em 2008. É o único diferencial de salários que ainda está crescendo. Ou seja, se houver algum apagão de mão de obra qualificada no Brasil, é de mão de obra pós-graduada.



É importante ressaltar dois pontos com relação a esse argumento. Em primeiro lugar, o fato da escassez de trabalhadores qualificados não ter aumentado no agregado não significa que eles não possam estar faltando em alguns setores específicos. Por exemplo, devido ao boom da construção civil nos últimos anos, é bem possível que haja falta de engenheiros no mercado. Isso significa que deve estar sobrando pessoas formadas em alguma outra profissão (economistas, por exemplo).



Além disto, educação continua sendo um fator essencial para o crescimento econômico. Estudar mais não causa problemas. As pessoas que ficam mais tempo na escola aumentam sua produtividade e a do país como um todo, além de viverem mais, votarem melhor, e serem mais preocupadas com o meio ambiente. Mas, não é verdade que o problema educacional esteja ficando mais grave no Brasil.

(Valor Econômico, 21/5)

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