15 de agosto de 2010

Civilidade e Educação


Supõe-se que, por ocasião das grandes campanhas eleitorais, sejam discutidos os temas fundamentais da sociedade. No caso brasileiro estamos vivendo um período em que postulam suas candidaturas políticos com vários níveis de aspiração, desde a Presidência da República, passando pelo Senado, governos estaduais e câmaras legislativas.

Estão em jogo, portanto, o poder federal e o estadual.

É inescapável o comentário e a preocupação com o modo ralo e superficial como é discutida a questão da violência, mais do que evidente no melancólico primeiro debate entre os presidenciáveis. O que parece acontecer é que se naturalizou, de tal forma, o cotidiano de insegurança pública que os políticos revelam pouco apetite, ideias e preparo para o enfrentamento desse mal que aflige todo o país. As soluções alvitradas pelos candidatos são pouco mais do que burocráticas, sem originalidade, indignação e grandeza.

Se é verdade que os dados estatísticos sobre criminalidade parecem estar baixando no Rio de Janeiro, não há como ocultar que a violência espalhase pelo Brasil. Diariamente, temos notícias de episódios brutais e cruéis que se multiplicam por cidades e lugarejos, em todas as regiões. Isso parece não impressionar, particularmente, não só os candidatos mas, principalmente, o atual governo federal.

Tem predominado uma postura de uma certa euforia diante da situação econômica do país, assim como dos resultados que indicam uma diminuição da desigualdade social.

Sem negar a grande importância desses fenômenos, fica o desafio de procurar compreender e agir diante do incontrolável surto de violência que se desloca, multiplica e metamorfoseia, sempre com novas ações, nos momentos e lugares mais surpreendentes.

Parece evidente que, entre outras causas, existe uma falência do sistema educacional em todos os níveis mas, particularmente, nos ensinos básico e médio. O alardeado aumento de matrículas, por si só, está muito longe de atender às necessidades de nossa sociedade, em termos de formação intelectual e ética dos estudantes candidatos à cidadania.

Embora episódios de violência de grande brutalidade manifestem-se em quase todo o mundo, é inegável que o Brasil continua sendo um dos países em que isto se dá de modo mais acentuado e sem sinais de uma melhora mais profunda. Ao lado das medidas de urgente aperfeiçoamento dos órgãos de segurança pública e do combate sistemático à corrupção que corrói toda a sociedade, com particular destaque para o próprio aparelho público, há que tornar a questão da educação uma verdadeira prioridade, e não uma mera bandeira para comícios e declarações mais ou menos óbvias.

O aperfeiçoamento dos professores, o apoio às populações mais pobres e a procura de uma orientação mais sistemática que valorize a civilidade e a ética, necessariamente, precisam envolver escola e família, sabendo de sua precariedade e dificuldades na maior parte do território nacional. As famílias, não só as pobres, mas mesmo as de melhor nível econômico, carecem de uma capacidade ou vontade de valorizar qualidades como a solidariedade social, o respeito aos direitos humanos e uma consciência cívica.

O carreirismo e o consumismo assolam as camadas médias, enquanto boa parte das camadas populares vive dividida entre a luta pela sobrevivência e a aspiração por uma ascensão que se traduz em bens e símbolos de status. Os meios tendem a ser desprezados, diante de finalidades que giram em torno de um tipo de êxito e sucesso em que não há espaço para o compromisso com conquistas seculares de um patrimônio cultural humanista cada vez mais desvalorizado.

Faltam, de modo clamoroso, na atual campanha eleitoral, a percepção e a formulação de políticas de longo prazo, não imediatistas, que estejam efetivamente voltadas para os direitos humanos e de cidadania, no sentido mais amplo. Isto teria que passar, necessariamente, por uma transformação radical, talvez revolucionária, do sistema educacional que mobilizasse a sociedade e o poder público em torno de objetivos e compromissos baseados em ética, civilidade e justiça.

GILBERTO VELHO é antropólogo.

O Globo

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