22 de outubro de 2010

O desafio da qualificação



No primeiro semestre deste ano, 22.188 estrangeiros pediram visto de trabalho no Brasil.

Kevin Lee/Bloomberg News

O Brasil cresce. Se ele avança em um ritmo aquém, além ou dentro das expectativas é outra questão. O fato é que cresce. E, à medida que se desenvolve, apresenta novas demandas. Uma delas vem se mostrando cada vez mais visível: mão de obra qualificada. Em outras palavras, o país necessita, cada vez mais, de capital humano de alto nível, de preferência com elevado grau de conhecimento técnico-científico.

O Ministério do Trabalho divulgou, e o Valor noticiou recentemente, dados que confirmam essa tendência. Segundo a Coordenação Geral de Imigração do Ministério, as concessões de visto de trabalho a estrangeiros no Brasil crescem a uma taxa média anual de 17%. Quase 180 mil profissionais, de todas as partes do mundo, mudaram-se para o Brasil nos últimos cinco anos, atraídos pelo bom desempenho da economia brasileira, pela remuneração vantajosa e pelas oportunidades de emprego em áreas onde falta mão de obra qualificada.

No primeiro semestre deste ano, 22.188 estrangeiros pediram visto de trabalho no Brasil, 3.519 a mais do que em igual período do ano passado. A indústria, sobretudo do setor energético, mais especificamente da exploração de petróleo, que exige elevado padrão de conhecimento técnico, tem sido responsável por expressiva parcela da importação da mão de obra estrangeira com diploma de curso superior e pós-graduação. Para se ter uma ideia, das 11.530 autorizações de trabalho concedidas no primeiro trimestre de 2010, 60% destinaram-se a estrangeiros com alto padrão educacional, e 80% dos vistos relacionavam-se a funções técnicas ou projetos de transferência de tecnologia.

Mão de obra importada no setor de petróleo mostra que o país não investiu o bastante na formação profissional

Em números absolutos, o setor que demanda cada vez mais mão de obra estrangeira é o de petróleo e gás. São 8.244 pedidos, 1.574 a mais que no primeiro semestre do ano passado e 2.899 acima do registrado no mesmo período de 2008. A tendência parece indicar que, no passado, o Brasil investiu insuficientemente na preparação de mão de obra para alguns setores da economia, como o petrolífero, para ficar no exemplo mais evidente. Sem contar o fato de que não apostou o bastante na produção de bens de alto valor agregado, o que implica importação de tecnologia estrangeira, a qual, por sua vez, acaba por demandar profissionais também estrangeiros que dominem esse conhecimento.

Com a recente descoberta de 100 bilhões de barris de petróleo nas camadas pré-sal ao longo de 800 quilômetros da costa brasileira, aumenta o desafio de formar mão de obra qualificada para esse e outros setores que se desenvolvem em decorrência do primeiro. Há notícia de que a multinacional General Electric, por exemplo, pretende construir no Brasil um centro de pesquisa para atender as demandas materiais e tecnológicas do pré-sal. O custo desse investimento está estimado entre US$ 75 milhões e US$ 150 milhões. Seu foco deverá ser energia, infraestrutura de transportes e saúde. Por certo, haverá contratações.

A qualificação da mão de obra é um desafio, mas o que está por trás dela é desafio ainda maior. Trata-se da educação como um todo. Afinal, para se atingir o nível superior e as pós-graduações, há um processo educacional anterior, que tem início dentro de casa, com a formação dos pais, e se completa na escola, em sucessivas etapas, com grau cada vez mais elevado de complexidade. Chega a ser um truísmo: o investimento em qualificação profissional começa na infância.

Essa é, aliás, uma percepção da população brasileira em geral - o chamado setor produtivo incluído - como o comprova pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), encomendada ao Ibope. Segundo o estudo, cerca de 40% dos entrevistados afirmam que, ao fim do curso médio ou superior, o aluno está apenas razoavelmente preparado para o mercado de trabalho.

A pesquisa CNI-Ibope sobre educação, realizada entre 18 e 21 de junho último com 2002 entrevistados em 140 municípios, mostra também que 61% dos entrevistados concordam totalmente com a afirmação de que a baixa qualidade do ensino pode prejudicar o desenvolvimento do Brasil. O mesmo levantamento verifica a percepção de que, em todos os níveis de ensino, mesmo o superior, a escola particular é melhor do que a escola pública.

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social também tem se mostrado sensível ao problema. Em junho último, entregou ao presidente Lula a Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento, na qual ressalta a importância de se investir mais em educação para suprir a demanda de mão de obra qualificada nos próximos anos. Para o Conselho, o investimento em ensino regular e profissionalizante deve ser prioridade do próximo presidente da República.

Os brasileiros querem, precisam e merecem uma formação sólida, ampla, que lhes permita tomar decisões de alto nível. Se a obtiverem desde a infância, atingirão a maturidade naturalmente preparados para os desafios contemporâneos. Ao longo do percurso, porém, há que lhes dar oportunidades para desenvolver as habilidades de que o país necessita para um desenvolvimento durável. Nesse cenário, o estímulo às carreiras técnico-científicas parece imprescindível.

Ainda que fases difíceis promovam a chamada fuga de cérebros, vale a pena investir em mão de obra altamente qualificada, seja para garantir a sustentabilidade do crescimento hoje, seja para poder contar com peritos nacionais sempre que o país precisar deles, como vem fazendo a China ao trazer de volta para casa seus melhores cientistas, agora que o país se agiganta no cenário econômico mundial.

O que não se pode é ignorar o potencial local e continuar a depender da importação de mão de obra. Mesmo que isso ocorra com vistas à transferência de tecnologia, é preciso haver aqui capital humano capaz de absorver esse conhecimento e avançá-lo ainda mais, como já se percebe em alguns setores. O potencial existe. Despertá-lo e desenvolvê-lo é um desafio altamente compensador. Mãos à obra.

Ben Sangari físico, é presidente da Sangari Brasil e do Instituto Sangari.

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