19 de dezembro de 2010

Cobertor do ensino deixou de fora o básico


Qualidade da educação não avançou e resultados do país ainda são um vexame; já a oferta de vagas no nível superior aumentou \

POR ALESSANDRA DUARTE
Ocurrículo do presidente termina este ano com 14 milhões de analfabetos com mais de 15 anos, uma população com 7,2 anos de estudo em média - mesmo nível de escolaridade do Zimbábue -, e uma prova para o ensino médio que deu vexame duas vezes. Mas terá também a criação de bolsas em faculdades particulares para alunos de baixa renda, com o Prouni, e um piso salarial nacional para o professor. Apesar de deixar para a sucessora avanços como mais vagas no nível superior, a era Lula entregará a Dilma Rousseff um sistema que não avançou na qualidade do ensino, um modelo do Enem que precisará ser revisto, altas taxas de evasão no ensino médio, baixa cobertura de creches e fracassos no cumprimento de metas do atual Plano Nacional de Educação.
O Prouni foi um dos avanços saudados pelo setor. "Para mim, foi o mais importante", diz Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de São Paulo). O principal no programa, diz, foi o uso de vagas ociosas da rede privada de ensino superior:
- Foram mais de 400 mil alunos que entraram na rede privada desde 2005 - destaca Capelato, e cita outro avanço, porém menor, da educação nesses últimos anos: - A reformulação do Fies (financiamento estudantil) este ano, com redução da taxa de juros cobrada, por exemplo. Era necessário, ninguém se interessava em buscar financiamento.
Conselheiro do Movimento Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos inclui mais dois itens na lista de pontos a favor da educação no governo Lula:
- Os dois decorrem da continuidade de políticas: primeiro, o (ministro Fernando) Haddad pegou o antigo Saeb e o aperfeiçoou criando a Prova Brasil; segundo, transformaram o Fundef (fundo que abrangia só o ensino fundamental) no Fundeb (que passou a incluir também educação infantil e ensino médio).
Ter estabelecido uma meta de desempenho e fluxo escolar (repetência e evasão) dos alunos - obter nota 6 no Ideb até 2022 - também foi um ganho, completa Ramos. Assim como a PEC 59, que acabou com a DRU (desvinculação de receitas) para a educação.
Mas a nota baixa na educação do governo Lula, na opinião de Rodrigo Capelato, vai, por exemplo, para a forma como se deu o Reuni, programa de expansão das universidades federais. Foi com o Reuni que Lula passou a afirmar ter sido o presidente que mais teria criado universidades (mais de dez, sendo que várias já existiam, tendo sido federalizadas ou reestruturadas).
O programa teve saldos como o estímulo à criação de vagas no período noturno em universidades já existentes, "um melhor uso de estruturas que não precisaram ser criadas", diz Capelato. Mas ele ressalva:
- Expandir o sistema criando novas universidades, não acho que seja o caminho. É caro, para um resultado que foi até baixo, já que o programa criou apenas cerca de 150 mil vagas até agora. Além disso, fica o risco de haver decisões por critérios políticos. Por exemplo, a criação das universidades de Guarulhos e do ABC: são praças saturadas na oferta de ensino superior; então, só podemos considerar como tendo sido beneficiadas por decisão política.
Mostra de que a expansão do Reuni não teria se traduzido em aumento suficiente de alunos nos bancos de faculdade é a taxa de escolarização líquida (proporção da população matriculada no nível de ensino adequado para sua faixa etária) dos jovens de 18 a 24 anos (faixa que deveria estar no ensino superior): só 14%. A meta do governo era chegar a 2010 com pelo menos 30%.
- Para um país que se quer uma potência, esse número teria de ser de uns 50% - analisa Edward Madureira, presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e reitor da Universidade Federal de Goiás. Ele elogia, porém, o andamento do Reuni: - O sistema está quase dobrando de tamanho. A questão é que as matrículas não ocorrem todas no início da expansão.
Como no Reuni o dinheiro federal para universidades é condicionado ao número de vagas a serem criadas, houve ainda o fato de que muitas universidades, para não perder a verba, comprometiam-se com um aumento de vagas com o qual não tinham condições administrativas e físicas de arcar. Sem falar que a expansão foi iniciada sem que tenham se resolvido questões como a autonomia orçamentária das universidades.
Na lista de problemas da educação nos últimos anos, somam-se às fragilidades do Reuni os contratempos do Enem. Exame com pretensão de avaliar de uma só vez mais de quatro milhões de alunos, viu sua primeira edição, em 2009, ser sabotada por vazamento de provas. Já a segunda edição, este ano, não ficou imune a cartões de resposta e cadernos de prova com erros.
- O problema é que o governo quis lançar uma prova com esse alcance, mas na hora não tinha pessoal suficiente ou preparado. Quiseram abraçar o mundo, quando poderiam ter feito o Enem em fases, ou consultado entidades com experiência em ações do tipo, como a Fuvest... - critica Capelato.
- Poderia haver, na aplicação das provas do Enem, um maior envolvimento das universidades federais, já preparadas para isso - acrescenta Edward Madureira.
O fato de tanto um avanço como o Prouni como percalços como os vividos por Enem e Reuni estarem ligados ao ensino superior mostra o quanto esse nível de ensino recebeu atenção do governo federal nos últimos anos - em detrimento, dizem, da atenção que precisaria ser dada à educação básica.
- O ensino superior dá mais visibilidade. Mexe com os jovens na sociedade - afirma Mozart Ramos.
Não faltam sinais de que a educação básica precisa ser mais bem cuidada. Um deles é o custo anual por aluno nesse nível, em comparação com o custo anual por aluno na educação superior. Um universitário custa R$15 mil aproximadamente, enquanto um aluno na educação básica, em torno de R$2,9 mil, afirma Ramos.
- Sendo que o universo de alunos no ensino superior é muito menor - completa Rodrigo Capelato.
O mau desempenho dos alunos nos níveis fundamental e médio, sobretudo na rede pública, é outro fator a chamar atenção para a área. No início deste mês, os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos 2009 (Pisa, que avalia o conhecimento de estudantes de 15 anos em matemática, leitura e ciências) mostraram que, numa avaliação que abrangeu 65 países, o Brasil ficou em 54º lugar.
Em matemática, por exemplo, dos alunos que chegam à 4ª série do ensino fundamental, só 25% aprenderam a disciplina nos níveis mínimos esperados, diz o Todos pela Educação. Dos que chegam ao 3º ano do ensino médio, esse número é ainda menor - 10%.
- A situação do ensino médio é o mais preocupante - diz Edward Madureira. - O número de vagas oferecidas no ensino superior é maior que o de alunos no 3º ano. Há um estrangulamento aí que está no ensino médio.
A necessidade de universalização atinge não só o ensino médio, mas também a educação infantil - as creches e pré-escolas, em déficit na rede pública -, a outra ponta do ensino que, como o antigo 2º grau, só entrou mais tarde no bolo de um fundo federal (quando o Fundef virou Fundeb). Só 50% das crianças entre 4 e 5 anos estavam matriculados na educação pré-primária no país em 2008, enquanto a média na América Latina era de 65,3%, diz a Unesco.
Base para a melhoria de todo o sistema, a valorização do professor deu um passo com Lula, mas também não avançou. O governo conseguiu aprovar lei que criou um piso salarial nacional para o professor. No entanto, a lei não está em vigor, mas sob análise do Supremo Tribunal Federal, após estados pedirem revisão do texto.
- Em 2007 e 2008, o governo atuou na educação básica. Mas, em 2009 e 2010, a agenda do ministro passou a ser inaugurar campus. Só que a educação básica, por ser de co-responsabilidade de estados e municípios, precisa de uma coordenação do governo federal - diz Mozart Ramos. - Então, faltou uma mobilização maior do governo que não se dividisse entre ensino básico e superior. Faltou o governo promover um pacto pela educação básica.
oglobo.com.br/pais

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