28 de dezembro de 2010

Dilma e a Educação

28/12/2010 10h39

Desafios do governo Dilma:
educação

Desigualdades regionais e falta de capacitação docente são obstáculos.
Série do G1 analisa os principais desafios do próximo governo federal.

Thiago Guimarães Do G1, em São Paulo
Alunos de centro de ensino médio de tempo integral em Guaribas (PI)Alunos lancham em centro de ensino médio de
tempo integral em Guaribas (PI)
(Foto: Warnildo Neres/Governo do Piauí)
Aos 70 anos, o produtor rural Milton Matias, de Guaribas (PI), resolveu voltar à sala de aula. “Tive dois meses de escola na infância e parei por falta de oportunidade”, afirma.
Para o agricultor, a escola ficava muito longe de sua casa, na zona rural de Guaribas. “Hoje tenho saúde e para ir até o colégio não tenho dificuldade.”
Oito anos após ser piloto do programa Fome Zero, bandeira social do governo Luiz Inácio Lula da Silva hoje substituída pelo Bolsa Família, Guaribas permanece símbolo de carências enfrentadas pelo país. Entre elas, os desafios na área de educação.
No início desta década, a cidade ostentava índice de analfabetismo de quase 60% – a média nacional no ano de 1900. Também era lanterna no ranking de anos de estudo: média de apenas 13 meses entre a população acima de 15 anos.
“Há dificuldade em segurar esse pessoal em sala de aula. Eles costumam falar que velho não aprende mais”, afirma Valdir Maia, secretário de Educação de Guaribas. Segundo ele, o analfabetismo na cidade está hoje em torno de 20% – não há dados oficiais atualizados.
Desafios do governo Dilma
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 Apesar de avanços recentes, o Brasil ainda possui 9,7% de analfabetos entre a população maior de 15 anos: 14 milhões de pessoas. “Isso mostra que a alfabetização de jovens e adultos não está cumprindo seu papel. Era para esse índice ter caído mais rapidamente”, opina Jorge Abrahão, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Estudo recente do Ipea apontou a desigualdade como um dos grandes gargalos do país em educação. Grandes diferenças no índice de alfabetização também persistem, por exemplo, entre a população urbana e rural (4,4% contra 22,8%), branca e negra (5,9% ante 13,4%), e das regiões Sudeste e Nordeste (5,5% contra 18,7%).
Um retrato dos problemas na qualidade da educação do país também apareceu em avaliação internacional divulgada neste mês. Embora tenha avançado nos últimos dez anos, o Brasil ficou em 53º lugar entre 65 países que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).
Coordenado pela OCDE (que reúne nações desenvolvidas), o programa avalia estudantes a cada três anos. Em leitura, 49% dos estudantes brasileiros apresentaram o nível mais baixo de aprendizado, índice que chegou a 69% em matemática e 54% em ciências. Na definição da revista inglesa “The Economist”, ocorreram avanços, mas que levaram as escolas brasileiras apenas de “desastrosas” a “muito ruins”.

Promessas de campanha
A presidente eleita Dilma Rousseff (PT) prometeu erradicar o analfabetismo no país, por meio de ações como construção de 6.000 creches e pré-escolas, concessão de bolsa de estudos para coibir a evasão escolar e elevação para 7% do PIB dos investimentos públicos em educação, índice hoje em 4,7%.
Para o economista especializado em educação Gustavo Ioschpe, o debate sobre o tema na campanha eleitoral foi insuficiente. “Foi uma discussão sem importância, já que a literatura mostra que não há relação entre gasto como porcentagem do PIB e desempenho acadêmico. Educação não dá nem tira voto no Brasil, não está na ordem do dia”, diz.
Os jovens saem do ensino médio porque sabem que vão gastar tempo sem ter melhor perspectiva"
Gustavo Ioschpe,
economista
O avanço da educação no país, avalia Ioschpe, passa pela revisão do modelo do ensino médio, que critica por “anacrônico e desinteressante” em razão do excesso de disciplinas. “Os jovens saem do ensino médio porque sabem que vão gastar muito tempo sem ter melhor perspectiva de vida”, afirma.
Dados compilados pelo sociólogo Simon Schwartzman, outro crítico do modelo do ensino médio no país, mostram que apenas 8% dos estudantes de nível médio no Brasil têm formação técnica, índice que chega a 61% na Austrália, 42% na China e 37% no Chile, por exemplo.
“O que predomina no Brasil é a obrigatoriedade de se fazer todo o programa pesado do ensino médio mais o profissional. Devemos criar alternativas reais e não forçar todo mundo a fazer tudo”, afirma Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).
Prioridades e avanços
E os desafios da educação não se resumem ao analfabetismo e ao modelo de ensino médio. O movimento Todos pela Educação propõe cinco metas para o setor no país: colocar toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola (percentual atual é de 92%), ter todo aluno com alfabetização plena até os oito anos, aprendizado adequado à sua série e ensino médio concluído até os 19 anos (hoje apenas metade concluiu), em um cenário de investimento público em educação de 5% ou mais do PIB por ano.
Para chegar lá, faltam planejamento e definição de prioridades. Levantamento da ONG Ação Educativa mostrou, por exemplo, que 16 estados brasileiros (AC, AP, BA, CE, ES, MA, MG, PR, PI, RN, RS, RO, RR, SC, SP e SE) e o Distrito Federal não têm plano estadual de educação, instrumento previsto em lei para direcionar políticas públicas no setor.
“Há problemas da creche à universidade, mas temos que ter foco. Outro cacoete brasileiro é querer fazer tudo para todo mundo”, afirma o economista Ioschpe.
Inauguração de escola em Muqém de São Francisco (BA), líder nacional em melhora na educaçãoInauguração de escola em Muquém de São
Francisco (BA), líder nacional em avanço na
educação (Foto: Divulgação)
Ainda que em meio a dificuldades, o avanço da educação no país encontra bom exemplo no sertão baiano, em Muquém do São Francisco, município de 10 mil habitantes a 710 km de Salvador.
De 2000 a 2007, a cidade avançou 212% no quesito educação do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, o melhor desempenho do país. Resultado de medidas conjuntas entre município, estado e União, como investimento em transporte escolar (o município tem 3.600 quilômetros quadrados de área, com distritos distantes até 200 quilômetros da sede da cidade), formação continuada e remuneração docente e incentivo aos alunos – o concurso “aluno nota 10” deu 14 notebooks aos estudantes que foram destaque em 2010.
Isso tudo em um município em que a água encanada só chegou neste ano, abriga aldeias indígena e quilombola e até pouco tempo tinha distritos sem energia elétrica. “Diante de tantas dificuldades, temos tido sucesso”, diz a coordenadora pedagógica Yara Coimbra.
Em geral, a educação brasileira avançou nos últimos 20 anos, como mostrou relatório recente do Todos pela Educação. Se em 1999, por exemplo, apenas 40,8% dos jovens de 16 anos haviam concluído o ensino fundamental, o índice saltou para 63,4% em 2009. Melhora também expressiva no ensino médio: percentual de jovens de 19 anos com ensino médio finalizado foi de 25,4% em 1999 para 50,2% em dez anos.
Desafios da universidade
No ensino superior, aponta o Ipea, o percentual da população de 18 a 24 anos matriculada no ensino superior subiu de 4,6% a 14,4% de 1992 a 2009, índice ainda tímido, afirma o instituto, fruto de problemas que permanecem: evasão e baixa taxa de conclusão nos ensinos fundamental e médio.

O Ipea destaca efeitos positivos na política de ampliação do acesso à educação superior do governo do PT, decorrentes de ações como aumento de vagas em instituições federais de ensino e do financiamento estudantil e criação do ProUni (Programa Universidade para Todos), de concessão de bolsas em faculdades privadas.
O avanço, no entanto, não ocorre sem percalços, como demonstraram as falhas operacionais nas duas últimas edições do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado em 1998 como avaliação dos estudantes e que hoje já substitui o vestibular em quase 100 mil vagas de federais.
Para Laércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, as melhoras na educação do país começaram mais atrás, na Constituição de 1988, que descentralizou a alocação de recursos no setor para municípios e fixou limites mínimos de gastos para as unidades da Federação.
O avanço se deveu ainda, afirma, à criação de fundos específicos para a educação (Fundef e Fundeb) e a programas de transferência de renda como o Bolsa Escola e Bolsa Familia, que ajudaram a levar os filhos de famílias mais pobres para a escola.
Mas os desafios seguem postos para a gestão Dilma Rousseff, como mostra Valdir Maia, gestor da educação em Guaribas (PI), cidade em que 83% dos 4.401 moradores recebem Bolsa Família. “Lula fez muita coisa, mas esperamos mais investimento”, afirma.
E se depender da disposição do septuagenário morador Milton Matias, que retomou os estudos após mais de 50 anos, o futuro sugere avanços. “É importante a gente ter mais informação. Alguma coisa a gente tem que procurar.”

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