19 de junho de 2011

O paradoxo americano : criminalidade em USA e no Brasil

A história ensina que a criminalidade aumenta em períodos de recessão econômica, mas nos Estados Unidos ela apresenta seu menor índice dos últimos quarenta anos
Os Estados Unidos estão, desde 2008, mergulhados em sua maior recessão econômica desde a Grande Depressão dos anos 30. Há duas semanas, o desemprego estava na casa dos 9,1%, o dobro da taxa de 2007. Nesse cenário, causou surpresa a divulgação pelo FBI, a polícia federal americana, de que os índices de criminalidade no país atingiram em 2010 o patamar mais baixo dos últimos quarenta anos. Com relação a 2009, o número de assassinatos caiu 4,4%, o de assaltos. 9,5%, o de roubos de carro, 7,2%, e o de invasões de residência, 1,1%. Como se explica essa situação inesperada? Historicamente, em qualquer país, a crise econômica e o desemprego estão associados ao aumento da criminalidade, e não à sua redução. Essa relação é investigada há pelo menos meio século. Nos anos 60, o americano Gary Becker, nobel de Economia, propôs a teoria de que os bandidos optam pelo crime de forma racional. Eles comparam as vantagens e os riscos de cometer delitos com as conveniências e desvantagens de sair à procura de trabalho. Caem na delinquência quando concluem que a primeira opção tem melhor relação custo-benefício. Em épocas de vacas magras e poucos empregos, a balança pende mais facilmente para o lado do crime.
Becker debruçou-se sobre a questão depois que ele próprio se viu numa situação análoga. Atrasado para um compromisso, ele hesitou entre procurar um estacionamento e deixar o carro na rua, num local proibido. Calculando que a probabilidade de ser multado seria mínima e que, mesmo nessa hipótese, o valor da multa compensaria a infração, decidiu estacionar na vaga proibida. E, de fato, ficou impune. Nos anos seguintes, estatísticas confirmaram a teoria de Becker: as recessões que atingiram os Estados Unidos nos anos 70 e 80 vieram acompanhadas de aumento na criminalidade. Os delinquentes eram, basicamente jovens desempregados e com pouca qualificação profissional - para quem o mundo do crime se mostrava claramente mais acessível do que o mercado de trabalho. Na atual recessão, mesmo com a taxa de desemprego roçando os 10%, a história, curiosamente, não se repete. "Nós, os estudiosos do crime, estamos nos sentindo como os meteorologistas. Nossas previsões estão ficando desacreditadas", disse a VEJA o advogado Franklin Zimring, da Universidade da Califórnia, autor do livro The Great American Crime Decline ( A Grande Redução do Crime nos EUA).
Vários motivos podem explicar a queda da criminalidade nos Estados Unidos. O principal deles é que a polícia americana prende muito - e mantém os condenados presos por muito tempo. E o contrário do que ocorre no Brasil, em que uma série de benefícios, como a progressão da pena e os indultos antecipa o alvará de soltura. A Justiça americana coloca atrás das grades autores de todo tipo de delito, mesmo os pequenos, e é especialmente dura com os reincidentes. Essa política faz com que o país tenha a maior população carcerária do mundo proporcionalmente ao número de habitantes. Hoje, 2,3 milhões de americanos - um em cada 100 adultos se encontram presos. E um contingente do tamanho da população de Belo Horizonte. Disse a VEJA o advogado David Kennedy, diretor do centro de prevenção e controle de crimes da Universidade da Cidade de Nova York: "A política de penas longas foi adotada nos anos 70, quando a opinião pública pressionou as autoridades por providências que reduzissem os crimes. A sociedade via como ineficientes as ações educativas e os programas de reabilitação de pequenos delinquentes". Esse rigor pode ser um dos motivos para que os índices de assaltos, roubos a residências e roubos de carros sejam mais baixos nos Estados Unidos do que, por exemplo, na Inglaterra. Em muitos países europeus, adotam-se penas alternativas para criminosos que não oferecem grande risco à sociedade.
Um fator histórico que pesa no controle da violência nos Estados Unidos é a chamada política de "combate às janelas quebradas", adotada em cidades como Nova York, Chicago e Los Angeles. Reza ela que é preciso cuidar do ambiente urbano nos mínimos detalhes e reprimir com vigor mesmo os delitos aparentemente inofensivos. Uma mera janela quebrada numa escola pública ou um passageiro que pula a roleta do metrô sem pagar a passagem transmitem aos criminosos a mensagem de que o poder público está ausente - e isso é tudo que eles querem. A pioneira na implantação dessa política foi Nova York. Entre 1990 e 1998, o número de delinquentes detidos na cidade por crimes violentos caiu de 150000 anuais para 70000. A polícia atribui boa parte dessa queda ao combate aos pequenos delitos. Os gastos das famílias com segurança e vigilância também assustam os bandidos. Há à disposição dos cidadãos um sem-número de engenhocas para proteger a si próprios, suas casas e seus carros - trancas high-tech, alarmes escandalosos, câmeras com visão noturna, armas que disparam cargas elétricas. Entre 2008, o primeiro ano da recessão, e 2009, os roubos de carros caíram impressionantes 17,1% nos Estados Unidos. Um estudo recém-publicado no Journal of Research in Crime and Deliquency sustenta a hipótese de que uma redução nos roubos de carros leva automaticamente a uma futura redução em outros tipos de delito. Segundo os autores, o roubo de carros é uma das portas de entrada para crimes mais graves.
A ausência de inflação na atual recessão americana é apontada como uma das causas da queda na criminalidade. Nas crises das décadas de 70 e 80, o aumento nos preços chegou a 10% ao ano.
Desta vez, a inflação é mínima. Em alguns momentos, chegou-se a registrar deflação - queda nos preços em decorrência da falta de dinheiro no bolso dos americanos. Richard Rosenfeld, da Universidade do Missouri, explica como isso ajuda a manter sob controle as taxas de criminalidade: "Nas recessões anteriores, a inflação impelia as pessoas desempregadas ou com salários menores a buscar alternativas mais baratas no submundo dos produtos roubados. Agora é diferente. Como os produtos do mercado oficial não estão mais caros, não há necessidade de recorrer aos roubados" disse ele a VEJA. Um dado chama atenção nos índices de queda de criminalidade. O número de cidadãos negros detidos por roubo caiu 2, I % entre 2008 e 2009. Já o de brancos subiu 2,1%. No mesmo período, a quantidade de negros presos por homicídio caiu 2,7% e a de brancos subiu 0,4%. Historicamente, o número de negros presos por roubo é oito vezes maior que o de brancos. Por homicídio, cinco vezes maior. Uma explicação provocativa seria que a eleição de Barack Obama provocou uma mudança no moral da população negra. "A eleição de Obama mostrou aos jovens negros, principalmente aos que abandonaram ou pretendiam abandonar os estudos, que eles também podem ter um futuro brilhante, que não estão necessariamente fadados à pobreza", disse a VEJA Alfred Blumstein, professor de criminologia da Universidade Carnegie Mellon. No Brasil, vive-se uma situação inversa à dos Estados Unidos. A economia está em crescimento, mas apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo houve ligeira queda nos índices de criminalidade - resultado da maior presença da ação policial. Em alguns estados, como Alagoas. a escalada do crime atingiu níveis que seriam intoleráveis na maioria dos países. Uma pesquisa recente, coordenada pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do livro Mapa da Violência - Os Jovens do Brasil, mostra que apenas 8% dos homicídios são solucionados, ou seja, o assassino é identificado e preso. A taxa de impunidade é de 92%. "Os índices de impunidade entre os bandidos perigosos são altíssimos, enquanto os de menor periculosidade enchem os presídios", comenta Luiz Eduardo Soares, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ex-secretário nacional de Segurança Pública e autor do livro Elite da Tropa. No Brasil, parte da teoria de Gary Becker pode ser verificada com facilidade - os riscos do crime, muitas vezes. valem mais a pena que os sacrifícios da vida honesta
VEJA

2 comentários:

  1. Só ha uma coisa a ser dita: pobreza nunca foi e nunca será motivo pra tornar-se delinquente. A 20 anos atrás quando eu estava no Exercito vi muitos no Nordeste Brasileiro passando fome e nunca roubaram ou furtaram nada de ninguem. Portanto ser bandido independe da cor ou poder financeiro e sim de CARÁTER.

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