26 de outubro de 2011

ZUENIR VENTURA - Alice no reino do iPad


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Terminei a última coluna perguntando: onde estão os novos Freud, Proust, Kafka e tantos outros que brilharam na Europa do século XX? A resposta, eu antecipava, é discutível. Eles estariam agora nos EUA e se chamariam Steve Jobs, Larry Page, Sergey Brin, Mark Zuckerberg ou Bill Gates. Mas, ainda que portadores de mentes brilhantes, será que eles, passada a emoção pela perda de Jobs, resistem à comparação? Considerando que não é a glorificação imediata, mas o tempo de decantação o que consagra um gênio, terá sido merecida a insistência com que a mídia exaltou o mais conspícuo deles por ocasião de sua morte? A verdade é que não se fazem mais gênios como antigamente e talvez as condições exigidas hoje não sejam as mesmas da época de um Leonardo Da Vinci ou de um Thomas Edison.

Nada contra os gênios tecnológicos. Se eu não tivesse outras razões para admirá-los, teria a de que minha neta Alice, que acaba de completar 2 anos, é quem está me ensinando a lidar com o iPad de seu pai, que ela usa sozinha. Não é exagero de avô, não. Estou de fato aprendendo com ela. "Alice, bota o circo." Ela vai no aplicativo e exibe um vídeo com o palhaço, o trapezista, o equilibrista. "Agora, põe o YouTube que tem os meninos discutindo." Ela move a tela com o dedinho e atende ao meu pedido. É assim, aos poucos, que estou me familiarizando com a invenção do Steve Jobs. Só por isso já teria que agradecer a ele e chamá-lo de gênio, mas aí me dou conta de que gênio mesmo é Alice (a mídia é que ainda não descobriu).

Fico me perguntando se, com todos esses apelos audiovisuais, se com todo esse deslumbramento acrítico pelas novas mídias, com esse fascínio atual de índio por espelho, a geração de Alice ainda vai se interessar por livro e pelo que a leitura de um texto propicia: reflexão, conhecimento e senso crítico. Para tranquilizar, me dizem que, em vez de inibir a leitura, essas várias descobertas tecnológicas vão estimulá-la e que nunca se leu e escreveu tanto como agora. É verdade. Mas em geral é uma leitura efêmera e descartável para obter informação instantânea, não entendimento, num processo que desenvolve mais o reflexo do que a reflexão.

Não quero repetir o erro de muitos intelectuais de minha época, que rejeitavam a televisão por não haver ali, como se alegava, vida inteligente, era uma "máquina de fazer doido". Também não proponho o livro como fetiche. Mas a cultura artística e literária é indispensável para fazer avançar a Humanidade. Quase quatro séculos depois, pode-se afirmar, por exemplo, que uma obra como a de Shakespeare "alterou a própria natureza humana", como escreveu Harold Bloom no seu livro "Gênio". Haverá no Vale do Silício alguém capaz disso? Só o amanhã dirá.

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