28 de março de 2012

VIVA O VINHO!!!


EDITORIAIS
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Vinho de verdade
Mais um setor pede proteção contra a concorrência externa: em resposta a pedido de julho de 2011 de entidades de produtores de vinhos finos, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) abriu investigação para decidir se aplica restrições à importação do produto.
O MDIC vai apurar os motivos pelos quais a entrada do produto estrangeiro quase triplicou desde 2002, chegando a 72 milhões de litros em 2011. Caso conclua que há prejuízo grave à indústria brasileira, pode estabelecer salvaguardas -a saber, cotas para a entrada de vinhos estrangeiros ou aumentar a alíquota do imposto de importação (hoje de 27%).
O tema suscita paixões, que contaminaram as reações à ideia de salvaguardas. Apreciadores do vinho se revoltaram com a perspectiva de pagar mais caro pelo produto.
As vendas dos vinhos finos nacionais caíram para 20 milhões de litros em 2011. A produção, contudo, recuperou-se no mesmo ano: 47,6 milhões de litros, contra 24,8 milhões em 2010. Os estoques, portanto, aumentaram muito.
A fatia de mercado dos produtores nacionais encolheu: era de 50% há uma década e caiu para 21% em 2011. Os dois maiores responsáveis por essa retração são os vinhos da Argentina e do Chile.
Os primeiros ficariam a salvo de eventuais salvaguardas, por causa do Mercosul. Não está claro se a produção chilena, hoje isenta de tributação por acordos comerciais, estaria sujeita às restrições.
Caso aprovada, a proteção terá prazo determinado. Em contrapartida, os vinicultores se comprometem com um plano para habilitar-se a competir com o importado.
A proposta do setor ao MDIC inclui várias metas verificáveis, como aumentar a área plantada em 49%, em três anos, e melhorar a produtividade média em 37%.
Os espumantes nacionais são o melhor exemplo do sucesso possível para a indústria nacional. Caíram no gosto do consumidor, têm preço competitivo e vendem bem.
O vinho fino é uma bebida cara; no Brasil, mais ainda. O brasileiro bebe pouco, em média cerca de meio litro por habitante (considerando-se a população total do país). A polêmica, portanto, afeta um produto que raramente entra na cesta de consumo da maioria da população. Para certas regiões do Rio Grande do Sul, porém, a produção tem grande relevância.
É possível encontrar um caminho para essas áreas. Os espumantes brasileiros indicam o rumo a seguir: conquistar qualidade e preço.
Salvaguardas só teriam o efeito de reservar mercado artificialmente. Fazer produtos bons o bastante para mantê-lo é o desafio.


ANÁLISE
Salvaguarda não vai tornar o vinho brasileiro competitivo
EDUARDO FLEURY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Prevista pela Organização Mundial do Comércio, a salvaguarda resultaria na imposição de um limite na quantidade de garrafas importadas e/ou no aumento das tarifas de importação. Noutras palavras, vinhos mais caros para o consumidor.
A salvaguarda só pode ser aplicada se ficar comprovado que a indústria nacional sofre prejuízo grave em decorrência do aumento das importações.
Os produtores de vinho, usando números de 2006 a 2010, alegam que, na crise mundial de 2008, os países exportadores de vinho "despejaram" o excesso de produção no mercado brasileiro, com redução de preços.
A participação do vinho importado no mercado nacional sobe de 2009 para 2010. Com isso, a venda de vinho brasileiro cai no mesmo período. A queda é explicada pela Embrapa: a seca de 2010.
A produção deve ser analisada em separado, visto que há um intervalo entre a produção e a venda do produto -as safras. Nesse sentido, a produção de vinho cresceu de 2010 para 2011, revelando a recuperação do período de estiagem.
À primeira vista, é possível dizer que o aumento da participação dos vinhos importados é explicado parcialmente pela estiagem de 2010.
A alegação de que os países exportadores utilizaram a redução de preço para ganhar mercado não é válida. Desde 2008 vem subindo: em 2011, o aumento foi de 14,3%.
Assim, o nexo causal segundo o qual o vinho importado esteja causando danos graves à produção nacional não parece tão forte quanto o sugerido pelos produtores.
Pelas regras da OMC, na vigência das salvaguardas -até oito anos- a indústria nacional deve se comprometer a investir e se ajustar para poder competir novamente.
Na indústria do vinho, a evolução é demorada. O Chile já exportava vinhos para a Europa em volume razoável em 1784. Mais ainda, a indústria moderna do vinho teve sua história iniciada em 1830.
Se ao final do prazo das medidas restritivas o setor não se tornar competitivo, o resultado será a transferência de renda dos consumidores de vinho para os produtores gaúchos, nada mais.
EDUARDO FLEURY é advogado e economista com mestrado em tributação internacional na Universidade da Flórida e especialização em direito de empresas por Harvard



OPINIÃO
Será que precisamos engolir o sapo do protecionismo?
ALEXANDRA CORVO
COLUNISTA DA FOLHA
O pedido de salvaguarda contém um "programa de ajuste" proposto pelos peticionários que otimizaria o mercado de vinhos brasileiros. A questão fundamental é: então, precisamos de salvaguarda?
Tomemos dois modelos exemplares. O mercado norte-americano, nos anos 90, deparou-se com uma indústria vitivinícola bem estabelecida, mas com dificuldades de exportar. Criou-se o projeto Wine Vision, para melhorar a imagem do produto, torná-lo parte da cultura americana e posicioná-lo em mercados-alvo globais.
Em nenhum momento o vinho importado foi objeto de ataque, e os EUA continuam como um dos mais importantes mercados importadores.
Na Austrália, quando o vinho tomou força e o governo quis aumentar impostos, produtores apresentaram um plano chamado Strategy 2025 para fortalecer o mercado interno e as exportações, mas sem necessidade de mais impostos. E conseguiram.
O "programa de reajuste" e sua implementação efetiva não seriam suficientes para tornar o mercado brasileiro mais competitivo, sem necessidade da salvaguarda?
O argumento de que países da Europa despejaram seus vinhos no Brasil a baixos preços por causa da crise não é forte. Esse aumento evidencia o potencial de consumo no Brasil, de uma classe média sedenta por variedade. De brasileiros ou importados.
Em 2011, o consumo do vinho brasileiro cresceu 7% em relação ao ano anterior. Por que o medo da concorrência? Busquemos medidas para diminuir impostos. Por que não incluir os pequenos produtores no Simples ou derrubar o selo fiscal que onera a todos? Protecionismo não é uma fórmula saudável.
O consumidor escolhe um francês, um argentino ou um brasileiro porque quer beber histórias e culturas que tão bem se expressam na taça.
Limitar isso é vedar o acesso à cultura de troca universal que o vinho proporciona. É emburrecer o consumidor. É obrigá-lo a consumir um produto local que, mesmo que seja apreciado, não foi o escolhido naquele momento.
Independentemente das medidas dos países exportadores, os peticionários devem temer a repulsa e o boicote do consumidor brasileiro que, timidamente, começava a ter orgulho de seu vinho. Ele não vai engolir esse sapo.

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