6 de abril de 2012

Armas não letais? - RICARDO BALESTRERI


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Tenho acompanhado com atenção a discussão sobre a utilização de armas não letais, em particular das pistolas elétricas incapacitantes. Cada vez mais esses dispositivos têm sido usados pelas polícias de todo o planeta - o que é, ao mesmo tempo, bom e ruim.

Bom porque, se não existisse opção à arma de fogo, haveria um incalculável número de mortes desnecessárias. Ruim porque, quanto mais essa tecnologia é usada, maior a possibilidade de o ser de forma equivocada. E o fato é que, mal utilizadas, as armas não letais podem, sim, apesar do nome, matar. Isso é grave.

Há fortes indicativos de que esse teria sido o caso das duas mortes ocorridas na Austrália e em Santa Catarina, que têm em comum o uso de pistolas de imobilização. Múltiplos disparos, uso cumulativo de outro dispositivo não letal, disparos de longa duração, indivíduos atingidos sob forte influência de drogas e/ou bebida alcoólica, podem explicar em parte tais casos, proporcionalmente raros se tomarmos em conta o número anual de disparos em todo o mundo.

É preciso compreender, entretanto, que entre o cassetete e a arma de fogo há todo um leque de possibilidades. E que as tecnologias não letais existem para ocupar esse espaço. Elas são fundamentais, por exemplo, no controle de distúrbios, como brigas de torcidas, rebeliões e arrastões. Imprescindíveis na segurança de agências bancárias, shoppings e eventos fechados. A pistola elétrica, cada vez mais disseminada nas polícias de todo o mundo, no Brasil inclusive, é só uma delas.

Mas não servem para todas as situações. O que não significa que devam ser banidas. Seria um retrocesso e aumentaria em muito os índices de letalidade em confrontos envolvendo forças de segurança. Melhor discutir o uso das tecnologias não letais. Debater a regulamentação do uso desses dispositivos pelas forças de segurança; criar normas para garantir a qualidade dos produtos que entram no mercado; estabelecer doutrinas para a aplicação daquilo que a ONU convencionou chamar de "uso proporcional da força".

Quando secretário nacional de Segurança Pública, incentivei fortemente a aquisição, pela União, estados e municípios, de dispositivos não letais. Isso não ocorreu, entretanto, sem a condicionante do treinamento, conforme estabelecido em 2007 pelo Pronasci, que foi um divisor de águas em propostas nacionais de redução de letalidade pelas forças de segurança.

Até então, a lógica era bem distinta. As polícias só dispunham, às vezes para uso banalizado - com raras exceções -, de pistolas, de revólveres, de submetralhadoras e, em casos como o do Rio, até de fuzis, cujos projéteis podem atingir alvos a mais de dois quilômetros de distância. Não era de se admirar as estatísticas de mortes por balas perdidas e que tenhamos vivido episódios lamentáveis como os massacres do Carandiru e de Eldorado dos Carajás - que poderiam ter tido outro desfecho caso as forças de segurança de então dispusessem de equipamentos não letais adequados.

Tudo isso, portanto, é muito recente. O próprio termo "não letal" tem pouco mais de 20 anos: foi cunhado pela Organização das Nações Unidas em seu VIII Congresso, realizado em 1990, em Havana, quando tratou de como disciplinar o uso da força pelos agentes da lei.

Considero o termo "não letal" mais apropriado que "menos letal" ou "menos que letal" (do inglês "less than lethal"), pois ao chamar esses equipamentos de não letais embutimos o comprometimento com seu objetivo. Não se trata de simples palavreado.

As armas não letais não são feitas para matar, mas para imobilizar temporariamente sem causar danos irreversíveis. Se usadas conforme seus manuais, não matam. O Brasil levou quase duas décadas para compreender esse conceito, do uso proporcional da força, preconizado pela ONU, e adotar os equipamentos que permitem a sua execução.

O mundo, infelizmente, não é cor de rosa. O esforço deve ser no sentido de que essas tecnologias sejam usadas corretamente. Sim, elas causam dor, ardência, choque, lágrimas. Mas, ruim com elas, pior sem elas.

RICARDO BALESTRERI foi secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça.

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