21 de abril de 2012

Brasil: A miragem do crescimento, Carta Capital


A miragem do crescimento

Um artigo recente no site do diário inglês TheGuardian resume bem a imagem conquistada pelo Brasil nos últimos anos. A respeito da viagens da presidenta aos Estados Unidos, e do descaso com o qual a mandatária brasileira foi recebida em Washington, o articulista sentenciou: "Todo mundo quer falar com Dilma, menos Obama".
Só 19% das casas têm esgoto tratado, segundo o Atlas do Saneamento divulgado em 2011
Um artigo recente no site do diário inglês The Guardian resume bem a imagem conquistada pelo Brasil nos últimos anos. A respeito da viagem da presidenta aos Estados Unidos, e do descaso com o qual a mandatária brasileira foi recebida em Washington, o articulista sentenciou: "Todo mundo quer falar com Dilma, menos Obama".
Todo mundo quer falar e quer vender para o Brasil de Dilma Rousseff. Somos a sexta maior economia do mundo, com um PIB de 2,48 trilhões de dólares em 2011. Até 2015, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), chegaremos à quinta colocação, após ultrapassar a Franca. Em um mundo em recessão ou em ritmo lento de recuperação, nosso mercado interno tem sido um oásis de prosperidade, disputado por chineses, europeus e norte-americanos. Temos o terceiro maior mercado de computadores, com 15,4 milhões de unidades vendidas no ano passado e o quarto de automóveis. Há mais linhas habilitadas de telefone celular (224 milhões) do que habitantes.
Um efeito do sucesso econômico sentido na pele pelos brasileiros é a elevação do custo de vida no País - ou ao menos nos grandes centros. Está mais barato frequentar restaurantes, adquirir imóveis e comprar roupas no exterior, como atestam os turistas nativos em recentes viagens. Imagina-se, porém, que os males típicos da expansão em velocidade maior que a oferta e a infraestrutura sejam passageiros. Malposta mesmo é a sensação compartilhada por muitos de que o Brasil dobrou o cabo da boa esperança do subdesenvolvimento e passou a integrar o time das nações bem sucedidas. Há quem confunda crescimento com desenvolvimento.
"A grandeza de uma nação não é medida pelo volume de recursos naturais extraídos ou pela quantidade de riqueza socialmente produzida, mas pela sua justa repartição de forma a assegurar o bem comum", anota o sociólogo Antonio David Cattani, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Riqueza e desigualdade na América Latina.
Autor do livro País Rico - O que ainda falta, o economista Antonio Dias Leite teceu em entrevista recente a CartaCapital considerações semelhantes: "A riqueza tem de ser expressa pelas condições de vida da população. Um país pode ser capaz de realizar grande produção de bens e serviços e não ser rico. É o caso em que nós estamos. Crescemos no total do que produzimos, mas não nos tornamos um país rico no sentido de que a população está num nível aceitável de Bem-Estar Social".
Uma década de crescimento permitiu ao Brasil reduzir a desigualdade e criar uma nova classe de consumidores de bens e serviços, a celebrada classe C. Mas alguns indicadores continuam vergonhosos: da falta de saneamento básico à insuficiente oferta de moradias, da persistência de doenças tropicais associadas ao subdesenvolvimento a um número de assassinatos por ano que só encontra paralelo em países em conflito. Nas próximas páginas, CartaCapital elenca alguns desses indicadores e discute por que tem sido tão difícil superá-los.
FALTA O BÁSICO
De tempos em tempos, a família da dona de casa Maria do Socorro Silva, de 43 anos, sofre de diarreia. Os surtos são recorrentes no bairro onde vive, na periferia de Manaus.
"Vira e mexe as crianças estão mal. No início de março mesmo, meu filho de 14 anos pegou uma e não saía do banheiro. O povo de União da Vitória já está acostumado", lamenta. Como a coleta de lixo é precária, os detritos se acumulam em meio ao matagal que brota da rua não asfaltada. Nenhuma das casas tem acesso à rede coletora de esgoto, que por sinal só atende 10,8% da população na capital do Amazonas.
Como poucas residências possuem fossa séptica, o esgoto corre a céu aberto por córregos que desembocam no igarapé da Ponte da Bolívia. O rio não chega a exalar mau cheiro, mas vez por outra transborda. Quando isso acontece, sobra um rastro de garrafas PETs e outros detritos nas margens."Já chamei rádio, tevê, conversei com vereadores, mas nada se resolve. Estamos abandonados. Diarreia é o de menos. Como tem muita água empoçada, a malária e a dengue pega (sic) muita gente na região.
A falta de saneamento básico é problema crônico no Brasil. Mais da metade dos domicílios não tem acesso à rede de esgoto, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Atlas do Saneamento 2011. Pior: apenas 19% das residências têm o esgoto tratado. De acordo com o estudo, que fez um diagnóstico da situação do País em 2008, 54,3% dos lares não tinham coleta adequada. A única região onde mais da metade dos domicílios tem acesso à rede é o Sudeste, com 68,9%. Em todas as outras, a cobertura é inferior a um terço das habitações. Na Região Norte, a média é de apenas 3,5%, para o desalento de Maria do Socorro.
O Brasil conseguiu avanços nos últimos anos. O número de domicílios conectados à rede de esgoto cresceu de 33,5% para 45,7% em oito anos. Os governos e as concessionárias de serviços investiram mais de 7,5 bilhões de reais, em 2010, ante 3,9 bilhões, em 2003 (gráfico à pág. 30).
Mesmo assim, os gastos no setor estão muito aquém do necessário. Estudos da Fundação Getulio Vargas e do Instituto Trata Brasil estimam ser necessários 270 bilhões de reais para universalizar o acesso à rede de esgoto em 20 anos, ou 13,5 bilhões por ano. Na avaliação da Associação Brasil de Indústria de Base (Abdib), o descompasso dos investimentos nos últimos anos fez a meta crescer. Agora, para garantir a universalização do atendimento no mesmo período, a instituição calcula a necessidade de 17bilhões de reais por ano.
Na avaliação de Paulo Godoy, presi32 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR dente da Abdib, ainda é preciso melhorar a regulamentação do setor, de forma a obrigar as concessionárias e empresas públicas a garantir a qualidade dos serviços e o cumprimento do cronograma de obras. Para tanto, sugere a criação de um sistema informatizado, que permitiria um acompanhamento mais adequado dos investimentos por parte dos governos e da sociedade. "Além disso, o Brasil pode estimular concessões e parcerias públicas privadas para assegurar o cumprimento da meta até 2030. Se faltam recursos, a iniciativa privada pode contribuir.
UMA GUERRA PARTICULAR
Um calmante para dormir e um antidepressivo para encarar o dia. Há dois anos, Natalice Fernandes dos Santos precisa do suporte de medicamentos para enfrentar o medo. Após a morte da filha adolescente Erika dos Santos Calmon, vítima de uma chacina praticada por policiais militares no bairro de Pero Vaz, na periferia de Salvador, a comerciante sofre com pesadelos recorrentes e teve de fechar seu pequeno restaurante em razão do crescente temor de atender rostos desconhecidos. "Por vezes, sonho com minha filha pedindo socorro", conta, angustiada. Doze policiais foram denunciados pelo Ministério Público por participação no crime, que resultou na morte de sete jovens em março de 2010.
Desfigurado, o corpo de Érika, de apenas 15 anos, foi encontrado cinco dias após a chacina em um matagal próximo a Estrada da Cascalheira, no município vizinho de Camaçari. A perícia não encontrou drogas no local da operação policial nem vestígios de pólvora nas mãos das vítimas. Apesar de todos os indícios de execução sumária, seguidos da ocultação de três cadáveres, os acusados continuavam em liberdade até o início do ano passado. Oito deles ainda policiavam a capital baiana. "Como dormir tranquila com eles na rua?" desabafa Natalice.
Cerca de 49 mil brasileiros morrem a cada ano vítimas de assassinatos. Entre os seis países com a maior taxa de homicídios do mundo, o Brasil registrou mais de 1milhão de assassinatos nos últimos 30 anos. Uma comparação dá a exata dimensão do problema. Os 12 maiores conflitos mundiais, as guerras no Iraque e Afeganistão incluídas, registraram 169.574 mortes entre 2004 e 2007, segundo um relatório do Secretariado da Declaração de Genebra, na Suíça.
"No Brasil, país sem disputas territoriais, movimentos emancipatórios, guerras civis, enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos, morreram mais pessoas (192.804) vítimas de homicídio", registrou o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência 2012, do Instituto Sangari. "Uma taxa de homicídio é considerada epidêmica quando é superior a 10 mortes para cada 100 mil habitantes, e o índice brasileiro é de 26,2. Nossa média é 20 vezes superior à de países europeus e cinco vezes maior que a da Argentina e a do Chile.
A evolução do número de assassinatos no Brasil nas últimas três décadas é assustadora. Passou de 13.910 homicídios, em 1980, para 49.932, em 2010, um aumento de 259%, equivalente a 4,4%
de crescimento anual. O ápice da curva foi atingido em 2003, com uma média de 28,9 mortes para cada 100 mil habitantes. A partir daí, houve uma tímida redução, com pequenas oscilações anuais (gráfico acima).
Na avaliação de Renato Sérgio de Lima, secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o problema não se deve à falta de recursos. "Em 2010, as diferentes esferas de governo investiram cerca de 60 bilhões de reais nas forças policiais e unidades penitenciárias. Isso representa aproximadamente 1,36% do PIB e 9% da arrecadação total de impostos no País. Temos recursos, mas eles são mal geridos.
Entre os exemplos de inépcia na gestão, Lima destaca a inexistência de um sistema nacional e padronizado de estatísticas
criminais, a falta de articulação entre as diferentes corporações policiais e até mesmo a falta de regulamentação sobre quais são as competências e responsabilidades de cada um na gestão da segurança pública.
Para o sociólogo, as polícias precisam ser repensadas, de forma a servir aos interesses da sociedade, e não aos dos governos. "São Paulo teve uma queda expressiva na taxa de homicídios, hoje na casa dos 10 para cada 100 mil habitantes. Mas somente os policiais foram responsáveis por cerca de 20% do total de assassinatos no estado.
UM MOSQUITO INVENCÍVEL
Febre alta, dor de cabeça, cansaço, dor muscular, manchas vermelhas na pele. O servidor público Rodrigo Dutra, de 30 anos, conhece bem os sintomas da dengue. Contraiu a doença duas vezes nos últimos quatro anos e cita numerosos casos de amigos e familiares que tiveram a mesma sina. Alguns tiveram febre hemorrágica, a manifestação mais grave da moléstia, e faleceram. "Por aqui, muita gente sequer busca assistência médica, trata o caso como se fosse uma gripe comum. Eu mesmo só procurei o médico depois que apareceram as manchas no corpo." Morador do Jardim Abapuru, em Goiânia, Dutra nunca recebeu a visita de um agente de saúde. "Não deixo água empossada em lugar algum, mas há muitos terrenos baldios em meu bairro. São áreas públicas ociosas e o povo acaba jogando entulho e lixo.
O Brasil historicamente amarga fracassos estrondosos no combate de moléstias que podem facilmente ser controladas. É o caso da dengue, que reaparece com novos surtos ou epidemias a cada verão. Apenas em 2010, mais de 1 milhão de brasileiros foram infectados pelo vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti Dos mais de 13,7 mil casos considerados graves, 656 resultaram em morte do paciente. No ano passado, o País conseguiu reduzir significativamente o contágio e a letalidade da doença. Foram 764 mil casos, que resultaram em 482 óbitos. A taxa de letalidade (3,8%) continua, porém, quase quatro vezes superior ao tolerado pela Organização Mundial da Saúde.
"Conseguimos avanços importantes, até pelo aumento dos recursos para o combate da dengue. Mas temos de encarar o fato de que qualquer descuido pode fazer a doença se expandir rapidamente", afirma Jarbas Barbosa, secretário nacional de Vigilância em Saúde. "Das doenças transmitidas por mosquitos, a dengue é a que vitima mais pessoas. Só não é mais grave que
a malária, que mata mais. Mas é possível controlá-la e a nossa meta é reduzir pela metade as mortes por dengue até 2014.
Por meio do Piso Fixo de Vigilância e Promoção à Saúde, o governo federal repassou aos estados e municípios 1,33 bilhão de reais para a prevenção e combate às doenças endêmicas, como dengue, chagas, hanseníase e malária. Desse montante, ao menos 70% foi direcionado, exclusivamente, para o enfrentamento da dengue, estima Barbosa. Para 2012, a previsão é de um investimento de 1,72 bilhão de reais. Na avaliação de Denise Valle, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), o problema não é falta de recursos específicos. "A dengue não é apenas um problema de saúde pública. Enquanto não houver boas condições de saneamento, não nos livraremos das epidemias. O mosquito transmissor é urbano e oportunista.
No passado, o Brasil conseguiu erradicar o Aedes aegypti em duas ocasiões, por um curto intervalo de tempo: entre 1958 e 1967 e de 1973 a 1976. A época, o mosquito ameaçava a população pela transmissão da febre amarela urbana. A partir daí, o País jamais conseguiu se livrar do vetor, hoje responsável pela disseminação da dengue. Em meados dos anos 1990, o então ministro da Saúde Adib Jatene elaborou um plano orçado em 1 bilhão de reais para erradicar o mosquito, mas o projeto naufragou por falta de apoio do Planalto. Na ocasião, perto de 1,7 mil municípios estavam in festados pelo vetor. Em 2010, já eram mais de 4 mil cidades. "Hoje, o contexto é muito diferente daquele que o Brasil vivia nos anos 1950. Reflexo disso, é que desde 2002 trabalhamos com o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), que veio para substituir o Plano de Erradicação do Aedes aegypti (PEAa). Esses nomes já refletem o reconhecimento atual, oficial, de que hoje é impossível erradicar o mosquito. Nosso país é imenso, com inúmeras portas de entrada, seja pelas fronteiras com outros países que não erradicaram o Aedes, seja por comunicação via portos e aeroportos", diz Valle.
Diante dos erros do passado e o crescimento desordenado das cidades brasileiras, a esperança reside no desenvolvimento de vacinas contra a dengue. Atualmente, três laboratórios realizam pesquisas com esse objetivo: o Instituto Butantan, a Fiocruz e o laboratório francês Sanofi Pasteur. O Ministério da Saúde investe 10 milhões de reais por ano nos estudos.
A MORADIA INCERTA
As vésperas da Páscoa, o carroceiro Márcio Alves, de 40 anos, não sabia se teria dinheiro para garantir um ovo de chocolate para o filho de 3 anos e o sobrinho de
8 meses. As parcas economias da família estavam reservadas para a compra do enxoval do bebê que deve nascer dentro de quatro meses. Ao menos o trabalhador de pele áspera e castigada pelo sol havia conseguido, seis meses antes, garantir uma moradia para a mulher gestante: uma Kombi abandonada entre o Viaduto dos Bandeirantes e a Avenida Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. Na van carcomida pela ferrugem, ele vive com a esposa, a cunhada e as duas crianças.
Do colchão montado sobre o assoalho, vê-se o varal improvisado no teto do veículo. "E apertado, mas ao menos a gente tem abrigo da chuva e do frio. Uma assistente social prometeu arrumar uma vaga em um abrigo fixo. Estamos esperando para ver se..." A fala é interrompida pela mulher, Amanda Conceição, de 29 anos. "Seria uma chance para a gente reconstruir a nossa vida.
Márcio e Amanda se conheceram nas ruas, mas há alguns anos ainda viviam em uma "casa de verdade", como definem. O aluguel pesou e ambos procuraram abrigo nas marquises da capital paulista. Eles jamais se inscreveram em programas de habitação popular e, em razão da renda familiar incerta, de 10 a 50 reais por dia com a venda de materiais recicláveis, talvez nunca consigam algum tipo de financiamento. Engrossam um numeroso contingente de pessoas sem residência digna, e, provavelmente, nem estejam incluídos nos cálculos do déficit habitacional. Os critérios para definir quem precisa de uma moradia adequada variam, mas as estatísticas costumam levar em conta o número de pessoas que mora em casas precárias, áreas de risco, residências habitadas por mais de uma família ou quem gasta mais de 30% do salário com aluguel, mas nem sempre incluem quem vive nas ruas. Hoje, pelas contas do Ministério das Cidades, faltam 5,5 milhões de domicílios para zerar o déficit brasileiro.
O Plano Nacional de Habitação prevê suprir essa demanda até 2023. Mas os especialistas estão céticos, mesmo com os recentes avanços. Os investimentos do governo federal na segunda fase do Programa Minha Casa Minha Vida são quase nove vezes maiores que o programa original, lancado em março de 2009. No PAC 2, serão investidos 278,2 bilhões de reais de 2011 a 2014 ante 34 bilhões de reais da primeira versão do programa. A meta agora é construir 2 milhões de residências.
"O Brasil nunca teve uma política de provisão habitacional adequada para a população de baixa renda. A urbanização deu-se a partir da ocupação irregular de terras públicas e glebas particulares. Somente nos anos 2000 tivemos avanços importantes no marco regulatório e jurídico, além do incremento dos investimentos públicos", afirma o urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis. "Mas não mudamos 1 milímetro a estrutura fundiária, que continua controlada pelos interesses do mercado.
A reducão do déficit habitacional brasileiro caminha num ritmo excessivamente lento. Em 2000, faltavam 7,2 milhões de residências, segundo a Fundação João Pinheiro, que assessora o
Ministério das Cidades na área de pesquisas. Em 2008, o déficit havia recuado para 6,8 milhões. Em média, apenas 50 mil famílias saíram da lista por ano. Nesse compasso, o Brasil levaria mais de cem anos para superar o problema.
UM ENSINO INDIGENTE
Quando Cláudia Costin assumiu a Secretaria Municipal de Educacão do Rio de Janeiro encontrou um cenário desolador. Uma avaliação interna da rede de ensino identificou, em 2009, mais de 28 mil analfabetos funcionais entre os alunos do quarto ao sexto ano do ensino fundamental. "As crianças deveriam sair alfabetizadas do primeiro ano, mas ao menos 17 mil alunos chegavam ao sexto ano sem saber ler nem escrever adequadamente. Esse apartheid social só poderia se agravar sem uma intervenção emergencial", afirma.
Para superar o atraso, a prefeitura carioca criou salas de reforço e "realfabetizou" 25,5 mil alunos nos últimos três anos. Em 2012, outros 7 mil estudantes passarão pelo programa, considerado pela própria secretária como um paliativo. "Se não melhorarmos a qualidade de ensino nas séries iniciais, vamos continuar enxugando gelo. Essas crianças já deveriam estar alfabetizadas. Não foram e isso prejudicou o futuro escolar delas.
O retrato da rede municipal do Rio, a segunda cidade mais rica do País, dá uma ideia da precariedade do ensino em todo o território nacional. O Brasil conseguiu avanços importantes na educação pública, como a universalização do acesso ao ensino fundamental, com 97,6% da população de 6 a 14 anos na escola. Mas ainda precisa ampliar, e muito, o acesso à educação infantil e ao ensino médio. Ao menos 1,6 milhão de crianças entre 4 e 5 anos, 74,8% do total, estão fora da pré escola. E 15% dos jovens de 15 a 17 anos não têm acesso ao ensino médio.
A inclusão desses estudantes poderá ser alcançada até 2020 com a aprovação do Plano Nacional de Educação, em discussão no Congresso. O projeto deve fixar um porcentual mínimo de investimento em educação entre 7% e 10%. Em 2010, o investimento público direto em educação alcançou um patamar equivalente a 5,1% do PIB, segundo levantamento divulgado recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). "Devemos incluir mais gente na escola, mas o maior desafio hoje é melhorar a qualidade de ensino, e isso não depende apenas de mais recursos", avalia Jorge Werthein, especialista em educação e ex diretor da Unesco no Brasil.
Os últimos dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) colocaram o Brasil em 53° lugar entre 65 países no ranking de leitura, 57° no de matemática e em 53° no de ciências. O País ficou entre os últimos, mas a nota nas três áreas é maior em relação à pesquisa anterior. "E natural que o Brasil melhore o desempenho mais rapidamente que outros países, o nosso atraso é muito grande. O importante é verificar o que podemos fazer para dar um salto de qualidade no ensino, e isso depende, sobretudo, da valorização do magistério", avalia Werthein. "Os países com os melhores indicadores tornaram a docência uma profissão atrativa, com bons salários e planos de carreira. Com isso, conseguiram selecionar as melhores cabeças das universidades para ensinar nas salas de aula. Esse é o segredo da Coreia do Sul, da Finlândia e de outras nações.
Para o economista Fernando Veloso, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, não basta aumentar os salários dos professores e gestores da rede de ensino. "Sou favorável a uma política de bonificação. É bem verdade que muitos fatores externos à escola, como as condições sociais dos alunos ou o apoio dos pais, interferem no desempenho dos estudantes. Não podemos punir os docentes que trabalham em áreas de maior vulnerabilidade social. Mas podemos cobrar metas específicas para cada perfil de escola" afirma. "Uma experiência interessante foi testada em Xangai, na China. Os melhores professores eram promovidos caso a escola tivesse um bom desempenho. Depois, eles eram remanejados para escolas em dificuldade para replicar as boas práticas. Ao mesmo tempo que premia os melhores educadores, essa política ajudou a melhorar a qualidade de ensino da rede como um todo.
Esses foram apenas alguns exemplos dos enormes desafios de um país em busca de desenvolvimento. Não os únicos. Ficaram de fora, por exemplo, a indigência do ensino superior, último degrau do péssimo sistema de educação, a infâmia da concentração de propriedade rural e urbana, despudorada até para uma nação ainda refém da estrutura social do período escravocrata, e a cegueira da Justiça em relação aos crimes de quem tem dinheiro e poder. A batalha da civilização é muito mais dura do que se imagina. E o Brasil continua a perdê-la.
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Não dá mais para erradicar o mosquito da dengue. E, no ritmo atual, levaria cem anos para acabar com o déficit habitacional
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Nos últimos 30 anos, o País registrou 1 milhão de assassinatos. Em 2010, foram mortos 49,9 mil brasileiros
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Das crianças entre 4 e 5 anos, 74,8% estão fora da pré-escola. E 15% daquelas entre 15 e 17 não frequentam o ensino médio

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