10 de abril de 2012

Em jogo, a hipocrisia - Joseph Stiglitz


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A indicação feita pelo presidente Barack Obama de Jim Yong Kim para presidente do Banco Mundial foi bem recebida - com justiça, especialmente diante de outros nomes cogitados. Os EUA escolheram um bom candidato - Kim é reitor da Universidade de Dartmouth e anteriormente chefiou o departamento de HIV/Aids da Organização Mundial da Saúde. Mas a nacionalidade do candidato e o país que o indica - seja pequeno e pobre ou grande e rico - não deveria ser determinante na escolha.

Os 11 diretores executivos do Banco Mundial que representam países emergentes e em desenvolvimento indicaram dois excelentes candidatos, Ngozi Okonjo-Iweala, da Nigéria, e José Antonio Ocampo, da Colômbia. Trabalhei de perto com ambos. São de primeira classe, ocuparam variados ministérios, tiveram desempenho admirável em posições no topo de organizações multilaterais e possuem habilidades diplomáticas e competência profissional para fazer um excelente trabalho. Entendem de finanças e economia, o pão com manteiga do Banco Mundial, e dispõem de uma rede de conexões para alavancar a eficácia da instituição.

Okonjo-Iweala conhece o Banco Mundial por dentro. Ocampo, como Kim, trazem as vantagens e desvantagens de virem de fora; mas Ocampo, professor da Universidade de Colúmbia, está completamente em sintonia com o banco. Ele já foi ministro da Economia e Finanças, mas também da Agricultura - uma qualificação criticamente importante diante do fato de que a vasta maioria dos pobres dos países em desenvolvimento depende da lavoura. Ele exibe também impressionantes credenciais ambientais, algo decisivo para o Banco.

Tanto Okonjo-Iweala quanto Ocampo entendem o papel das instituições financeiras internacionals como provedoras de bens públicos globais. Ao longo de suas carreiras, devotaram corações e mentes ao desenvolvimento e a executar a missão do Banco Mundial de eliminar a pobreza. Eles estabeleceram um elevado padrão para qualquer candidato americano.

Há muita coisa em jogo. Quase dois bilhões de pessoas permanecem na pobreza no mundo em desenvolvimento e, embora o Banco Mundial não possa resolver o problema sozinho, exerce um papel de liderança. Apesar do nome, o Banco é primordialmente uma institutição internacional de desenvolvimento. A especialidade de Kim, saúde pública, é crítica, e o Banco há muito vem apoiando iniciativas inovadoras nessa área. Mas saúde é apenas uma pequena parte do portfolio do Bird, que trabalha nesse campo com parceiros que levam a expertise em medicina.

Rumores sugerem ser provável que os EUA insistam em manter o perverso processo de seleção no qual ele acaba escolhendo o presidente do Banco simplesmente porque, num ano eleitoral, adversários de Obama alardeariam que a perda de controle sobre o processo seria sinal de fraqueza. E é mais importante para os EUA reter esse controle do que passá-lo aos países emergentes e em desenvolvimento.
De fato, os mercados emergentes mais poderosos sabem como viver dentro do sistema atual, e podem usá-lo em vantagem própria. A Realpolitik do momento torna improvável uma luta pela presidência do Bird; os EUA deverão vencer. Mas a que custo?

Se os EUA continuarem insistindo em controlar o processo seletivo, será o próprio Banco que sofrerá. Durante anos, a eficácia da instituição ficou comprometida porque ela era vista, em parte, como uma ferramenta de governos ocidentais e de seus setores corporativo e financeiro. Ironicamente, mesmo os interesses a longo prazo dos EUA seriam mais bem servidos por um compromisso - não só em palavras, mas em atos - com um sistema baseado no mérito e na boa governança.

Uma suposta realização do G-20 foi um acordo para reformar a governança das instituições financeiras internacionais - e, mais importante, a forma como seus líderes são selecionados. Uma vez que a expertise em desenvolvimento se concentra nos países emergentes e em desenvolvimento, parece natural que a direção do Banco Mundial venha de um desses países. Manter a trama entre os países desenvolvidos, pela qual os EUA escolhem o presidente do Banco Mundial e a Europa, o do Fundo Monetário Internacional, é algo anacrônico e causa perplexidade hoje, quando o Banco e o Fundo estão se voltando para os mercados emergentes como fonte de recursos.

Enquanto os EUA, a comunidade internacional e o próprio Banco repetidamente enfatizam a importância da boa governança, um processo seletivo que atribui a indicação ao presidente dos EUA zomba de tudo isso.

Okonjo-Iweala expôs o problema vigorosamente numa entrevista ao "Financial Times": o que está em jogo é uma questão de hipocrisia. A integridade dos países industrializados avançados, que têm a maioria dos votos no Banco Mundial, está sendo testada.

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