25 de abril de 2012

Falta de professores nas escolas de São Paulo




Falta professor em 32% das escolas estaduais
Levantamento se refere à cidade de São Paulo; maior parte das aulas vagas é de arte, geografia e matemática
Para secretaria, dados não refletem realidade; na zona norte, alunos tiveram apenas duas aulas de geografia
FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO
Dois meses após o início do ano letivo, uma em cada três escolas estaduais da capital enfrenta falta de professores.
Dados levantados pela Folha a partir de convocações das diretorias de ensino na primeira semana de abril mostram que, dos 1.072 colégios, 343 têm vagas abertas. Faltam professores, principalmente, nas disciplinas de arte, geografia, sociologia e matemática.
A Secretaria Estadual da Educação diz que o resultado não reflete a "realidade". Sem citar números específicos, o governo afirma ter uma estimativa segundo a qual o deficit é de apenas 0,6% em todo o Estado -não citou, porém, dados sobre a capital, alvo do levantamento da Folha.
OUVINDO FUNK
Na escola estadual Gavião Peixoto, na zona norte da cidade, alunos do oitavo ano do ensino fundamental dizem que só tiveram duas aulas de geografia até agora. Na sétima série, nenhuma de artes.
Os estudantes relataram que, algumas vezes, o professor substituto das aulas vagas acaba ouvindo funk com os jovens dentro da sala.
Na rede estadual, o déficit de professores persiste mesmo após a Secretaria da Educação liberar a convocação de profissionais reprovados em exame do Estado e de outros que nem fizeram a prova -o número de docentes nessa situação não foi divulgado.
Também foram chamados para lecionar estudantes universitários de licenciatura.
Segundo a secretaria, cerca de 2% do magistério está nessa condição -não possui ensino superior completo.
A regra autoriza a entrada até de universitários que nem cursaram 50% do curso.
A rede enfrenta problemas de qualidade: no último exame estadual, só 4,2% dos formandos no ensino médio apresentaram conhecimento adequado em matemática.
Na rede municipal, a situação da falta de professores é menor. A prefeitura informou que, na primeira semana de abril, faltavam 198 docentes nas cerca de 1.400 escolas.
O número de escolas com deficit atinge, portanto, no máximo 14% das escolas, ou seja, menos da metade do montante da rede estadual.
Ainda assim, afirma a prefeitura, os alunos não ficam sem aulas, pois já é previsto um número extra de professores por unidade.
REAJUSTE SALARIAL
Na tentativa de melhorar o quadro docente, a gestão Alckmin (PSDB) implementou plano de reajuste salarial, que prevê aumento de 42% até o final do mandato. Fez também concurso público.
"O caminho está certo, mas [o aumento] deveria ser mais agressivo", disse o presidente da Udemo (sindicato dos diretores), Francisco Poli.
Segundo ele, muitos professores desistem da rede, atraídos por salários melhores em outras atividades.
PROVIMENTO
O pesquisador Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, afirma que a falta de professores na rede estadual "é injustificada".
Ele citou dois motivos. O primeiro, disse, porque é possível estimar o número de professores que vão sair da rede com base em dados históricos. Além disso, afirmou, o número de estudantes na educação básica no Estado caiu 40% entre 1993 e 2011.
"O que se assistiu foi a falta de uma verdadeira política para o provimento de profissionais da educação", diz.
Colaborou VIVIANE VECCHI




Com aula vaga, estudantes ateiam fogo em sala
DE SÃO PAULO
A Escola Estadual Professora Eunice Marques de Moura Bastos, na Vila Curuçá (zona leste de SP), é umas das afetadas pela falta de docentes. Sem aulas, os alunos relatam que chegam a ser dispensados ou ficam no pátio da unidade.

Em uma das vezes em que isso ocorreu, em março, um grupo de estudantes ateou fogo na sala de leitura da unidade escolar. Ninguém ficou ferido.
Um aluno do terceiro ano do ensino médio diz que não tem inglês desde o início do ano e que está sem aula de biologia há dois meses.
Além disso, os professores de filosofia, artes e química faltam constantemente, afirma o estudante.
A Secretaria Estadual da Educação diz que o quadro de docentes agora está completo e que vai repor as aulas perdidas.
A pasta afirma que o incêndio não tem relação com as aulas vagas. Segundo a secretaria, desde o início do ano letivo somente os alunos do ensino médio e do EJA (Educação de Jovens e Adultos) são eventualmente dispensados.


OUTRO LADO
Levantamento é enganoso e não reflete realidade, diz pasta
DE SÃO PAULO
Por meio de nota oficial, a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo afirmou que o levantamento feito pela Folha sobre falta de professores é "enganoso" e não reflete a realidade sobre a movimentação do quadro de docentes das escolas estaduais.
De qualquer forma, para aprimorar a rede, disse a pasta, será aberto novo concurso público no próximo semestre.
Sobre a tabulação da reportagem, o governo afirmou que "a oscilação do número de unidades nessa situação é constante", pois todos os dias há casos como aposentadorias e licenças.
Os dados da Secretaria Municipal da Educação, porém, indicam que essas questões atingem menos as unidades da prefeitura paulistana.
O Estado ressaltou que possui 217 mil professores. Assim, disse, é normal que haja movimentação de professores, "o que inviabiliza usar para divulgação" o número de aulas livres ou em substituição.
A gestão Alckmin (PSDB) apresentou uma estimativa de que precisaria aumentar o magistério em todo o Estado em 0,6% para compensar a ausência de docentes (temporária ou permanente).
O percentual é uma projeção. Estima que o professor pega, em média, 23 aulas. Se o interessado pegar menos aulas, cresce a carência.
"Esse índice tenderá a ser cada vez menor em função de iniciativas como a política salarial instituída no ano passado pelo governador Geraldo Alckmin, que estabeleceu para o quadriênio de 2011 a 2014 o aumento acumulado de 42,2%", disse a pasta.
"Além disso, mais de 9 mil professores que já passaram em concurso serão convocados entre o final de maio e o início de junho para ingresso no curso da Escola de Formação de Professores", afirmou.
"Em longo prazo, a profissão do magistério da rede estadual de ensino se tornará mais atrativa com a implantação do plano de carreira, que está sendo elaborado."
Sobre a escola Gavião Peixoto, disse que a aula de geografia está atribuída, mas há faltas pontuais do docente. Para a de artes, fez novo chamado. E, disse, irá apurar informação de que alunos e professores eventuais ouvem funk na sala.


ANÁLISE
Número menor de alunos deveria ser oportunidade para o governo
OCIMAR MUNHOZ ALAVARSE
ESPECIAL PARA A FOLHA
NÃO HÁ A REALIZAÇÃO PERIÓDICA DE CONCURSOS PARA A RECOMPOR O QUADRO DE Profissionais, APENAS MEDIDAS PONTUAIS e PALIATIVAS PARA SELEÇÃO DE PROFESSORES TEMPORÁRIOS COM VÍNCULO PRECÁRIO
A falta de professores em São Paulo é injustificada e incompatível com as potencialidades econômicas e técnicas do Estado. Além disso, incide profundamente na imagem e carreira do magistério, mesmo que considerando as promessas de regularização.
Não há realização periódica de concursos públicos para recompor o quadro de profissionais que se aposentam ou saem de licença, apenas medidas pontuais e paliativas para seleção de professores temporários com vínculo precário, não sendo trabalhadores plenamente enquadrados na condição de assalariados pela CLT e tampouco considerados funcionários públicos.
Sem desprezar os enormes desafios de gestão de uma rede de grandes proporções como a de São Paulo, estamos em face de uma situação marcada pela ausência de planejamento das ações do Estado para garantir o direito de acesso à educação escolar em plenas condições, o que compreende a plena regularização do quadro de professores.
Por hipótese, esse perfil pode ter decorrido das expectativas em torno do processo de municipalização da educação, que, completado, não demandaria a efetivação de um número de professores nos patamares desejáveis.
Consultando-se os dados disponibilizados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), verificamos que o total de matrículas, somando-se as do ensino fundamental com as do ensino médio, vem caindo sistematicamente, de tal monta que o total de 6,1 milhões em 1993 se reduziu a 4,1 milhões em 2011.
Assim, se a diminuição do número de alunos da educação básica poderia ser um fator favorável às melhorias de condições do ensino estadual paulista, o que se viu no Estado foi a falta de uma verdadeira política educacional para o provimento de profissionais da educação, sem os quais pouco se avançará.
OCIMAR MUNHOZ ALAVARSE é professor da Faculdade de Educação da USP



2 comentários:

  1. Não é novidade, com um salário ruim deste, eu mesmo tenho licenciatura e tenho outra atividade. O salário não ficaria atraente nem se subisse 42%, ainda mais com um aumento parcelado até 2014 (parece piada diante da atual situação). O Estado fala em aposentadorias e licenças, mas eu conheço muitos professores que simplesmente pediram exoneração. Isto é reflexo dos péssimos salários do estado e do município de São Paulo, ou melhor, da má gestão pública do trio Kassab, Serra e Alckmin....

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  2. É vergonhoso ser professor no Estado de São Paulo. Recebemos um mísero salário, trabalhamos em ambientes péssimos, salas super lotadas e falta de recursos desejáveis a uma educação de qualidade.

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