15 de abril de 2012

Marcelo Gleiser - Um por todos e todos pelo grupo?


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O biólogo Edward Wilson causa controvérsia ao propor que o grupo é mais importante que a família


Na Semana passada, escrevi sobre o filme "Jogos Vorazes", baseado na trilogia de Suzanne Collins.
Um tema na narrativa é o autossacrifício, ou o que leva uma pessoa a sacrificar sua vida em favor de outra. Nesta semana, o biólogo americano Edward Wilson, aos 82 anos, publicou seu novo livro nos EUA, "A Conquista Social da Terra". O livro vem já causando enorme controvérsia entre os colegas de Wilson.

Na verdade, a coisa começou antes. Em 2010, 137 cientistas assinaram uma carta argumentando que um artigo de autoria de Wilson, Martin Nowak e Corina Tarnita, que toca nos mesmo pontos do livro, estava completamente errado.

Por que toda a briga? Wilson vem propondo uma mudança radical em fundamentos da teoria da evolução, fundamentos que ele mesmo defendeu magistralmente em seu livro "Sociobiologia", de 1975.
A teoria da evolução propõe que a maioria das criaturas coloca suas famílias antes do resto: se você vai se sacrificar para salvar outros, melhor que seja para preservar a sua linhagem genética. Essa é a base do altruísmo nas espécies.

No artigo publicado na revista "Nature", Wilson e colaboradores sugerem que a seleção de grupo, que eles chamam de "eusocialização" (um neologismo, a partir do inglês "eusociality"), independente de conexões genéticas, "determina as formas mais avançadas de organização social e o papel ecológico dominante de insetos sociais e de humanos". Em outras palavras, a evolução favorece grupos que trabalham juntos altruisticamente: espécies dominantes tendem a ser sociais.

Como escreveu Jonah Lehrer num artigo recente na revista "New Yorker", "a controvérsia é alimentada por um debate mais amplo sobre o papel do altruísmo na evolução. Será que o altruísmo existe? Será que a generosidade é um aspecto sustentável? Ou será que seres vivos são inerentemente egoístas, nossa bondade nada mais do que uma máscara? Isso é ciência com implicações existenciais".

E que toca na questão do bem e do mal, algo que nos leva à natureza da moralidade. No debate, os que se opõem a Wilson defendem que nada é mais importante do que a preservação dos genes. Portanto, um indivíduo tratará sempre de fazer o possível para que seus genes passem para futuras gerações.

Wilson defende que o grupo é mais importante do que a família e que essa é a razão do sucesso de espécies sociais, para as quais o sacrifício não é só em nome da família, mas do grupo como um todo.
Mesmo que seja possível argumentar que as duas versões têm uma ligação -um grupo bem estabelecido preserva todas as famílias integrantes-Wilson usa sua nova versão da evolução para compor uma visão otimista do futuro: "Não há dúvida de que ainda causaremos muitos danos a nós mesmos e a outras formas de vida. Mas com uma ética de decência com o próximo, aliada à aplicação da razão e da aceitação de quem de fato somos, um dia nossos sonhos serão realizados". Esses sonhos são de coexistência pacífica com nós mesmos e com nosso planeta e sua biosfera.

É difícil não simpatizar com a visão de Wilson, mesmo considerando o quanto estamos longe da realização de seu sonho. Ou talvez por isso mesmo.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". 

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