18 de abril de 2012

Pichação racista vira caso de polícia na Unesp


Alunos africanos que estudam na unidade foram xingados de 'animais' em um mural

DE RIBEIRÃO PRETO
"Sem cotas para os animais da África." A frase escrita em um mural da Unesp de Araraquara (273 km de SP) deixou os alunos africanos do campus apreensivos e fez a universidade abrir uma sindicância interna.
Alunos e professores do Grupo de Estudos da Cultura Africana registraram um boletim de ocorrência por racismo.
Sumbunhe N'Fanda, 24, graduando de administração pública, disse que a mensagem o deixa apreensivo. "Temos medo de nos atacarem", disse o aluno de Guiné-Bissau. Ele e outros 25 africanos fazem intercâmbio na Unesp.
A frase foi escrita no início do mês no mural em frente ao centro acadêmico da Faculdade de Ciências e Letras. "Meus amigos ficaram revoltados", afirmou o mestrando em sociologia Daniel Cassamá, 28, também de Guiné-Bissau. Foi ele quem reuniu os alunos e professores que, juntos, procuraram a polícia.
A Unesp afirmou, em nota, que nomeou uma comissão para apurar os fatos, que também seriam notificados à PF e ao Ministério Público. A polícia irá realizar exame da pichação para tentar identificar a autoria.
Para o primeiro-secretário da Embaixada de Guiné-Bissau no Brasil, Jorge Luís Mendes, a pichação é um fato "isolado".


Para embaixada, pichação é 'ato isolado'
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETO
Diferentemente do professor Dagoberto José Fonseca, para quem o gesto racista seria uma ação coordenada por um grupo, o primeiro-secretário da Embaixada de Guiné-Bissau no Brasil, Jorge Luís Mendes, afirmou que a ação deve ser entendida como um ato individual.
"Essas pessoas agem de forma isolada, eles se escondem para colar uma frase." O diplomata destacou, entretanto, a importância de haver punição para os autores da ação de Araraquara.
"Que as instâncias responsáveis façam seu trabalho para combater esse tipo de ato, ainda que seja um ato isolado", disse.
Fonseca defendeu ainda a importância dos programas de intercâmbio mantidos com o Brasil para seu país.
"É um programa importante para a capacitação dos quadros locais", disse Fonseca. "A experiência brasileira é muito aplicável na Guiné- Bissau."
Para o estudante guineense Daniel Cassamá, mesmo que seja um ato isolado, isso não atenua sua gravidade.
"Pode ser que só uma pessoa tenha escrito, mas ela pode estar expressando o sentimento de vários alunos do campus", afirmou.
Ainda assim, Cassamá disse estar certo de que esse sentimento se restringe a uma minoria dos estudantes. "Estou há seis anos aqui e nunca tinha sentido isso."
Também o angolano José Patrício Morais de Almeida, estudante do segundo ano de administração pública, afirma ter sido a primeira vez que vê uma manifestação racista na universidade.
"Fiquei muito surpreso. Eu pensei que [atos racistas] fossem realidade em outros lugares, mas não aqui em Araraquara", disse Almeida.
Dentre os seis países africanos que possuem estudantes intercambistas na Unesp de Araraquara, a Guiné-Bissau é de longe o que tem o maior número, somando 12 dos 26 alunos do continente.
A ex-colônia portuguesa passa por um momento de forte instabilidade política.
Ontem, o país foi suspenso da UA (União Africana) por conta do golpe de Estado do último dia 12, que aconteceu em pleno processo de eleição presidencial. (DN)




FRASES
"Nós estamos preocupados com nossa integridade física e sentimos nossa integridade moral atingida"
JOSÉ PATRÍCIO MORAIS DE ALMEIDA
Guineense, estudante de administração pública da Unesp de Araraquara
"Não tem só africanos aqui. Tem europeus, latino-americanos. Isso é xenofobia e racismo"
DANIEL CASSAMÁ
Angolano, mestrando em sociologia
"Essa ação não é isolada, individual. É uma ação coletiva"
DAGOBERTO JOSÉ FONSECA
Professor da Unesp e coordenador do Grupo de Estudos da Cultura Africana

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