14 de agosto de 2012

Gramática no off-line


Correio Brasiliense, 14/8/2012
Ed Alves/CB/D.A Press

Gustavo e Pamela, ambos com 15 anos, não acham errado adaptar as palavras. A questão, para eles, é diferenciar o texto formal da conversa com amigos
Ed Alves/CB/D.A Press

Guilherme, 11 anos, usa sempre as abreviaturas no celular, mas nunca teve problema nos textos para a escola
Pesquisa feita por instituições americanas comprova uma preocupação de pais e professores: em nome da agilidade, jovens deixam de lado as regras da linguagem culta quando se comunicam por celulares e computadores. A estrutura dos textos, no entanto, costuma ser preservada
O uso frequente de dispositivos celulares por adolescentes culminou em uma cultura de mensagens de textos com muitas abreviações e atalhos gramaticais. Pais e professores temem que as formas digitais de usar a língua comprometam a comunicação dos filhos. E ganham, agora, uma comprovação científica dos efeitos negativos do hábito na formação da prole. Pesquisa feita pela Wake Forest University e a Penn State University, ambas dos Estados Unidos, mostra que, nesse tipo de manifestação, os jovens assassinam a gramática, mas preservam de certa forma a parte estrutural dos textos.
"Isso (a descoberta) foi importante porque a pesquisa também descobriu que a vasta maioria dos adolescentes, 86%, acredita que ter habilidade para escrever é importante para o sucesso na vida. Apenas 11% dos participantes reportou que a comunicação eletrônica tinha um efeito negativo na escrita deles", avalia Drew Cingel, principal autora do estudo.
A pesquisa foi feita com alunos de 10 a 15 anos de uma escola americana. A primeira etapa consistiu em orientar os participantes a pensarem sobre um dia comum e a recordarem o tempo dedicado às tecnologias, além de indicar a quantidade de mensagens de texto recebidas e enviadas durante o período. Em média, cada adolescente recebia 46 mensagens e enviava 45 diariamente.
Na segunda fase, eles responderam um questionário classificando em um grau de 1 a 5 questões como: "A rapidez das mensagens de textos faz com que seja conveniente usá-las?", "Eu mando mensagens de texto porque meus pais mandam" e "Eu mando mensagens porque a maioria dos meus amigos manda". Posteriormente, os participantes anotaram o número de adaptações feitas nas últimas três mensagens enviadas, que foram submetidas a uma avaliação gramatical: "Temos a evidência de um declínio nas notas gramaticais baseado no número de adaptações de mensagens de texto, controlado por idade e série", diz Cingel.
Não só mandar mensagens de textos frequentemente teve um peso nos resultados, mas receber e mandar textos com adaptações foi associado a um nível baixo de performance no teste, de acordo com a pesquisa. "Em outras palavras, se você mandar a seu filho muitos textos com adaptações de palavras, ele vai provavelmente imitá-lo", afirma Shyam Sundar, coautor do estudo. "Essas adaptações podem afetar a habilidade de linguagem off-line, que é importante para o desenvolvimento da linguagem e das habilidades gramaticais", completa.
Rapidez
Guilherme Cancelli, 11 anos, usa muita abreviação e diz que é mais rápido mandar uma mensagem pelo celular sem se preocupar em escrever a palavra inteira. "Às vezes, não consigo achar um acento. Também não consigo dar espaço quando estou com pressa", conta. Apesar de escrever com as adaptações, na escola ele garante saber separar bem as coisas. "Meus professores nunca chamaram a atenção, eu sei que, quando vou fazer uma prova, tudo tem que ficar certo", diz.
Segundo o pai de Guilherme, o professor Daniel, 34 anos, é uma preocupação da família orientar os filhos para escreverem certo. "Eu e minha esposa somos muito exigentes. O Guilherme lê em média 18 livros por ano. Ele gosta de escrever certo. Mas, sendo mais novo, acaba escrevendo um pouco diferente."
Para Gustavo Mendes, 15 anos, é uma questão de saber discernir o momento de usar as palavras abreviadas. "Primeiro, nós nos acostumamos a escrever certo. Depois, ganhamos o celular e nos acostumamos com um novo tipo de escrita. Você seleciona se quer escrever de uma forma mais rápida na hora de enviar uma mensagem no computador ou no celular. Se você está fazendo uma prova, algo bem mais sério, tem que escrever certo. É uma coisa que, para mim, não influencia muito na escola porque eu consigo separar as coisas", afirma.
Professor de redação do colégio Sigma, Ênio Moraes afirma que, nos trabalhos feitos pelos alunos, ele não observa abreviações de palavras. "Não encontro o pq, o vc e o tb nas redações. A pontuação, no entanto, é um problema sério. Mas até que ponto o problema dela é causado ou reforçado pelo envio e pelo recebimento de muitas mensagens de textos? Os problemas com a vírgula, por exemplo, têm mais a ver com a organização sintática e a clareza do que com a influência das mensagens de textos", analisa.
Susana Molinar, professora de português do colégio La Salle, pondera que a influencia da abreviatura nas notas escolares depende da idade. "Até os 10 anos, eles não costumam abreviar muitas palavras porque são menores e as regras gramaticais têm mais controle sobre eles. Depois dessa idade, até os 14 ou 15 anos, a tendência é usar uma linguagem mais informal e breve."
Pamela Rodrigues, 15 anos, afirma que a plataforma em que ela está acostumada a escrever influencia na forma como abrevia as palavras. "Quando faço trabalho no computador e digito, acabo abreviando pelo fato de estar digitando. Quando escrevo manualmente, não tenho dificuldade", conta. Os efeitos da "simplificação" das palavras podem prejudicar, inclusive, os próprios escritores. Um estudo realizado recentemente na Austrália mostrou que os jovens conseguem escrever mais facilmente usando abreviatura, mas têm dificuldades de decifrá-las. Quase a metade dos estudantes que participaram do estudo demoraram duas vezes mais para ler do que para escrever uma mensagem com abreviações.
"Não encontro o pq, o vc e o tb nas redações. A pontuação, no entanto, é um problema sério (…) Os problemas com a vírgula, por exemplo, têm mais a ver com organização sintática e a clareza do que com a influência das mensagens e textos" Ênio Moraes, professor de redação

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