16 de agosto de 2012

‘Impacto da ditadura argentina foi 170 vezes maior do que no Brasil’: Horacio Verbistsky

O Globo


Para jornalista argentino, falta efervescência política no Brasil para revogar Lei da Anistia

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O escritor e jornalista Horácio Verbitsky, diretor do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) da ArgentinaMÁRCIA FOLETTO/AGÊNCIA O GLOBO
As ditaduras tiveram impacto relativo em cada sociedade. Segundo cálculos do jornalista Horacio Verbistsky - no país para participar do festival “Cinema pela Verdade” -, na Argentina este impacto foi 170 vezes maior do que no Brasil, considerando-se a população de cada um deles na época e o número de desaparecidos. “De acordo com o Censo de 1980, o Brasil tinha 119 milhões de habitantes na época, dos quais 136 desaparecidos por causa da ditadura. Enquanto isso, na Argentina, o número chegaria a 15 mil, nos cálculos mais conservadores, numa população de 28 milhões de pessoas”.

Horacio Verbistsky:
 Pergunte a Elio Gaspari ou a Vladimir Herzog (militante do PCB que foi torturado até a sua morte) se a ditadura foi branda. Talvez ela tenha enfrentado menos desafios no Brasil, talvez o movimento de rejeição popular não tenha sido tão forte. Outro fator é o econômico: enquanto na Argentina a ditadura fracassou em tudo a que se propôs, no Brasil ela teve um relativo êxito até político, com partidos autorizados, uma certa flexibilidade. Isso gerou uma maior aceitação por parte dos brasileiros. Já a ditadura argentina destruiu a indústria, aumentou o endividamento do país e teve consequências graves ao nosso desenvolvimento posterior por décadas. No Brasil, ao contrário, levou a um grau aceitável de crescimento, para mim repudiável, mas que colocou o país no mapa.O GLOBO: Pode-se dizer que a ditadura menos severa por aqui?
Como foi criado o CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais)?
Verbistsky: Nasceu antes mesmo de ser criado oficialmente, em 1979, logos nos primeiros anos da ditadura. Foi formado por um grupo de advogados que consideravam insuficiente o trabalho das organizações de direitos humanos na época. Um dos viés principais era tentar conseguir chamar os desaparecidos de “presos desaparecidos”, mostrar que eles estavam presos antes de sumirem. Também lutavam para que as denúncias tivessem um alcance internacional. Foram eles que começaram a convidar as instituições internacionais a visitarem a Argentina para ver de perto o que estava acontecendo. Emilio Mignone, diretor do CELS de 1979 a 1998, foi o grande responsável pela vinda da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 1979. Quando ele morreu, fui convidado a assumir seu lugar, depois de poucos meses como diretor.
E como o CELS ajudou em todo o processo pós-ditadura?
Verbistsky: Com o fim da ditadura, nos concentramos na defesa dos direitos humanos no novo processo democrático. Em seus momentos, os presidentes (Raúl) Alfonsín e (Carlos) Menem criaram leis que impediram que os culpados fossem julgados e condenados (respectivamente as Leis de Ponto Final e de Obediência Devida e os Decretos de Indulto). Cinco anos depois que os últimos indultos foram concedidos, em 1995, lancei o livro “El Vuelo” (O Voo, em português), com a confissão do ex-militar Adolfo Scilingo, que contava como ele matou 30 pessoas jogando seus corpos ao mar. Foi um buraco no muro da impunidade. Nasceu a partir daí o “Juicio por la Verdad”, que passou a investigar e informar à população sobre os militares envolvidos em cada caso de crime e tortura. Os torturadores passaram a ser conhecidos em audiências públicas, ouviam-se os relatos das vítimas, alguns processos penais começaram a acontecer.
Como a Comissão da Verdade, aqui no Brasil?
Verbistsky: A ideia é a mesma, mas aqui as audiências não acontecem em tribunais. Na Argentina, os julgamentos permitiram que o Congresso revogasse a Lei de Ponto Final. Na mesma época, o juiz espanhol Carlos Castresana determinou que crimes de delitos contra a humanidade poderiam ser julgados em qualquer país. Participei do julgamento de Pinochet, em Londres, que terminou com sua extradição. A partir daí, vários militares foram julgados internacionalmente, na França, Alemanha, nos Estados Unidos. Na mesma época começaram os julgamentos por roubos de bebês na Argentina, e já não havia motivos para que as leis de impunidade continuassem em vigência. Ao mesmo tempo, em 2001 o golpe completaria 25 anos. Era o clima político propício. As leis foram declaradas nulas e dois policiais foram presos, poucos meses antes da data. A Corte Suprema poderia ter dito não, mas ela aprovou a revogação das leis.
Diferentemente do Brasil, onde a revisão da Lei de Anistia foi negada em abril de 2010...
Verbistsky: Sim, e principalmente porque a mobilização social no Brasil não foi equivalente à Argentina. Como eu disse antes, a pressão política na Argentina é pelo menos 170 vezes maior, o que impediu que os casos fossem encerrados.
Mas agora temos no Brasil uma presidente que foi vítima da ditadura.
Verbistsky: Sim, a presença de Dilma no poder é muito importante para o processo, assim como se Cristina Kichner não fosse presidente nada disso teria acontecido. Mas não basta isso, é preciso haver um momento político propício no país.


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