26 de setembro de 2012

Em memória de Herzog


EDITORIAIS
editoriais@uol.com.br, 26/9/2012, Folha de S.Paulo

No dia 31 de outubro de 1975, a catedral da Sé, no centro de São Paulo, recebeu uma pequena multidão para um culto ecumênico em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog. A reportagem da Folha calculou, na ocasião, que cerca de 8.000 pessoas estavam na igreja e mil, do lado de fora.
O ato religioso representou uma manifestação pública pioneira contra a ditadura militar. O regime sobreviveria ainda por uma década, mas em franca decadência.
O jornalista trabalhava na TV Cultura e era ligado ao Partido Comunista Brasileiro. Na sexta-feira, dia 24, fora levado por agentes às dependências do DOI-Codi, órgão subordinado ao estamento militar.
No domingo, dia 26, o 2º Exército emitiu nota na qual afirmava que Herzog se suicidara. Era notório que ele havia sido torturado.
A impostura, inscrita na certidão de óbito, foi mantida por 37 anos. Agora, por iniciativa da viúva Clarice Herzog e da Comissão da Verdade, a Justiça restabeleceu os fatos. Passará a constar do documento que a morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército.
A correção, determinada pelo juiz Márcio Bonilha Filho, da Segunda Vara de Registros Públicos de São Paulo, tem valor simbólico e histórico -e abre a perspectiva de outras reparações análogas.
Foi o primeiro resultado prático das atividades da Comissão da Verdade. Formada por sete membros, ela foi instaurada pela presidente Dilma Rousseff, em maio, para investigar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988.
O título da comissão, para ser rigoroso, contém uma hipérbole enganosa. Primeiro, porque a verdade histórica é esquiva e sujeita a controvérsia. Depois, porque a comissão, num passo criticável, afastou de sua alçada violações cometidas por organizações de esquerda.
Lembre-se que a lei 12.528, que criou o colegiado, dá margem a essa extensão das investigações pelo colegiado, descartada por iniciativa exclusiva de seus integrantes.
Sem dúvida que o objeto principal da comissão são os atos praticados por agentes públicos. Não há comparação possível entre a perseguição, a tortura e o assassínio organizados sistematicamente pelo Estado, de um lado, e ações de grupos armados de esquerda, de outro, mesmo nos casos em que levaram inocentes à morte -tampouco há motivo razoável para afastá-las do exame frio para registro da história.
À luz do espírito conciliatório da Anistia, os atos da comissão não podem legalmente se revestir de caráter jurisdicional, para condenar ou para absolver. Como no caso de Herzog, é preciso esclarecer os fatos e reconstituir a memória -o que deveria valer para todos.

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