19 de outubro de 2012

A conquista de uma universidade de qualidade Isaac Roitman



UNB
As universidades públicas no Brasil têm sido de elite. Os egressos do ensino médio oriundos de famílias de baixa renda em sua maioria não tinham acesso à universidade estatal. Esses estudantes formados em escolas públicas de qualidade duvidosa geralmente não tinham meios de pagar os cursos preparatórios para o vestibular.
Algumas iniciativas foram introduzidas para modificar essa realidade. Uma delas foi a criação na Universidade de Brasília, em 1986, do Programa de Avaliação Seriada (PAS) com a aplicação de três provas, realizadas ao término de cada uma das séries do ensino médio. Assim o conteúdo, que antes era cobrado de uma só vez no vestibular, é diluído nos três anos de avaliação. Outra iniciativa pioneira da UnB foi a criação em 2003 de cotas no vestibular para inserir negros e indígenas na universidade ajudando a corrigir décadas de exclusão racial.
Recentemente o governo determina através da Lei de Cotas (12.711/2012) que as instituições federais de ensino superior reservem, no mínimo, 50% de suas vagas, em cada seleção, para ingresso nos cursos de graduação, para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A reserva de 50% deve incluir ainda cotas para negros, pardos e índios em proporção no mínimo igual à de negros, pardos e indígenas na população da unidade da federação onde a instituição de ensino está instalada.
Essas iniciativas inclusivas são virtuosas. No entanto, paralelamente, deverá ser iniciada uma verdadeira revolução no ensino básico que tenha como objetivo a conquista da qualidade, sobretudo no ensino público. Na pauta dessa revolução a reformulação dos cursos de pedagogia é essencial. O “novo professor” deverá estar preparado para lidar com a criança e o jovem do século XXI. Um salário digno e uma carreira estimulante, assim como condições de trabalho adequadas, são requisitos fundamentais para o sucesso dessa revolução. A definição dos objetivos da educação em cada nível de ensino – infantil, fundamental e médio – deverá ser estabelecida. A nova pedagogia deverá proporcionar o exercício do pensamento provocando a curiosidade das crianças em um ambiente que estimule a criatividade e a crítica. Não há como termos uma universidade de qualidade se os egressos do ensino médio continuarem a apresentar deficiências, principalmente comportamentais.
O papel da universidade na melhoria do ensino básico é fundamental. Proponho a criação de órgãos nas instituições de ensino superior que se preocupem com os seus futuros alunos. Uma das missões prioritárias desse órgão seria a de ter os cursos de formação de professores contemporâneos de primorosa qualidade. Em adição, estudantes de graduação e de pós-graduação e professores em harmonia com os projetos pedagógicos de cada escola estariam presentes de forma permanente proferindo palestras, participando de debates, desenvolvendo programas de iniciação científica, organizando feiras de ciência e promovendo atividades artísticas e esportivas. Os estudantes do ensino básico freqüentariam as universidades durante todo o período letivo, desenvolvendo atividades científicas, esportivas e artísticas. Paralelamente estudantes e professores do ensino superior poderiam desenvolver instrumentos pedagógicos visando à melhoria da qualidade do ensino básico.
Um bom exemplo foi a criação na Universidade de Brasília da revista DARCY, que divulga a produção científica e cultural da UnB e é também utilizada como instrumento pedagógico para os estudantes e professores do ensino médio. DARCY é distribuída gratuitamente para todos os professores do ensino médio das escolas públicas do Distrito Federal como também para um grande número de professores do ensino privado. Os temas abordados são objeto de oficinas para professores, que são treinados para aproveitar o conteúdo das reportagens promovendo discussões nas salas de aulas. Onze edições da DARCY já foram publicadas e está sendo lançada uma versão da revista tendo como foco o ensino infantil e fundamental, com uma linguagem lúdica apropriada.
A versão da DARCY para as crianças está em harmonia com o pensamento de Carlos Drummond de Andrade: “Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem”. Certamente essas iniciativas deverão inspirar outras visando uma participação mais efetiva da comunidade universitária na conquista da qualidade no ensino básico, que é essencial para a conquista da qualidade do ensino superior.

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