21 de outubro de 2012

CLÓVIS ROSSI Carminha e Malala


Folha de S.Paulo, 21/10/2012

Nada contra novela, mas não custava prestar atenção ao confronto entre civilização e barbárie

Quer dizer, então, que o final de "Avenida Brasil" mobilizou o país a ponto de o governo ter decidido fornecer energia elétrica extra?
Nada contra (nem a favor, a propósito). Não sou dos que torcem o nariz para a telenovela como se fosse uma sub-arte. Se é ou não, que os especialistas discutam à vontade. O fato é que, se entrou para os hábitos brasileiros de entretenimento, por algo será.
O que me incomoda não é a audiência para o destino de Carminha, mas a falta de audiência, no Brasil, para o destino de Malala Yousafzai.
Para quem não sabe quem é, resumo: Malala é uma menina paquistanesa de 14 anos baleada na cabeça e no pescoço por um ativista do Taleban quando estava no ônibus escolar que a levaria para casa, na cidade de Mingora (vale do Swat, região do Paquistão em que os talebans agem à vontade).
Malala se tornara conhecida por conduzir uma campanha pela educação, especialmente das meninas, o que o Taleban considera contrário à lei islâmica, conforme anunciou no comunicado em que assumiu o atentado.
Malala foi removida para o Reino Unido, e ainda "não saiu das trevas, mas está indo bem", segundo Dave Rosser, diretor médico do hospital (público) que a trata.
Reclamar um pouco de atenção para o drama da menina pode parecer moralismo ou ranzinzice politicamente correta.
Pode ser, mas é, acima de tudo, o inconformismo ante a omissão quando o que está em jogo é o confronto entre civilização e barbárie.
No Reino Unido, o jornal "Independent" lançou a campanha "We are Malala", para recolher assinaturas em favor da liberdade de expressão e do direito à educação de toda criança paquistanesa e contra a "desumanidade" do Taleban.
No Paquistão, cerca de 50 doutores da lei islâmica, próximos ao Conselho pela Unidade Islâmica, emitiram uma "fatwa" em que declaram o crime contrário ao Islã -clara demonstração de que o problema não é a religião em si, mas o fanatismo que nela se escuda.
No Brasil, o noticiário a respeito foi parco e as redes sociais tampouco vibraram como vibram com temas em que a fronteira não é tão definitiva como civilização x barbárie.
Temo, aliás, que parte do silêncio se deva à incapacidade dos "americanofóbicos" de atacar adversários dos Estados Unidos e, mais abrangentemente, do Ocidente.
Tudo bem que a dita civilização ocidental e cristã comete seus crimes. Não é, portanto, sempre civilizada. Mas seus inimigos, quando bárbaros, são bárbaros sempre.
É o caso, em outro exemplo, da Síria. Porque o ditador Bashar Assad é antiamericano, muita gente se opõe a uma intervenção (não necessariamente militar) para evitar o banho de sangue na Síria. Esquecem, como diz a "Economist" que está nas bancas, que "nada fornece argumentos para a intervenção mais fortemente do que as brutais táticas de Mr. Assad".
Ou, posto de outra forma, pode-se ser contra as políticas norte-americanas sem calar sobre ditadores, quaisquer que sejam, ou sobre selvagens como o Taleban.
crossi@uol.com.br

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