15 de outubro de 2012

Cotas raciais: duas opiñoes opostas

Tema em Discussão:

Edição de hoje (15) do jornal O Globo traz duas opiniões opostas sobre as recentes iniciativas do Governo de criar cotas raciais.

Crise transposta
Opinião do jornal O Globo

O movimento racialista desembarcou em Brasília no governo tucano de FHC, mas foi na Era PT, com os dois mandatos de Lula e na sequência do governo Dilma, que esta força política passou a usar, de maneira efetiva, recursos de poder. Encrustados na máquina do Estado, numa secretaria específica, com status de ministério, e representantes no Congresso, racialistas passaram a executar o projeto de criação de cotas raciais, e não apenas na Universidade.

Se o plano de instituir cotas em vários setores - cinema, propaganda, fornecedores do setor público etc. - foi frustrado com a desidratação, no Congresso, do projeto do "Estatuto da Igualdade Racial" - exemplo precioso do uso prático da novilíngua, criação de George Orwell no livro "1984" -, o mesmo não ocorreu com as cotas no ensino superior público.

Depois de alguns estabelecimentos de ensino estaduais terem adotado o regime dessas cotas, o Supremo as ungiu, ao julgar uma reclamação específica contra a discriminação pela cor da pele na distribuição de vagas no ensino superior. A corrente racialista ganhou força, o projeto das cotas foi aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma.

Reitores reclamaram de o MEC exigir a aplicação da lei já no próximo vestibular. O governo, pelo menos até quinta-feira, continuou sem arredar pé. Metade das vagas precisa, já em 2013, ser destinada a alunos oriundos do ensino médio público. Deste total, metade beneficiará filhos de famílias com renda de até um salário mínimo, mas prevalecerá sobre os dois critérios o conceito de "raça", cujas cotas serão distribuídas a partir da proporção das "raças" conforme o último censo demográfico.

A aplicação desta equivocada lei consuma sério revés para a política de melhoria da qualidade do ensino público em geral. Queiram ou não, as cotas servem para governos contornarem, de forma ilusória, o sério problema da baixa qualidade do ensino básico, pois a cor da pele passou a representar uma espécie de passaporte privilegiado para o ensino superior. O preço será pago pelo país, na forma de uma mão de obra e profissionais mal instruídos.

E se a universidade pública se consolidou como uma instituição de ensino de qualidade mais elevada que os estabelecimentos particulares, agora será obrigada a absorver um contingente de alunos pouco preparados. Os primeiros anos dos cursos mais procurados por "cotistas" serão preenchidos por aulas de reforço, em prejuízo do rendimento geral das universidades. Ou o padrão de ensino terá de ser rebaixado.

Por mais uma infeliz coincidência, as cotas raciais entram em vigor no momento em que pesquisas do IBGE anunciam um desastre: comparados os períodos de 1995/2003 e 2003/2011, cai a proporção de jovens entre 15 e 17 anos na escola. Ou seja, na crise geral da educação pública brasileira, há uma específica no ensino médio. Que será transportada para a Universidade por meio das cotas.

Dívida a ser paga
Opinião de Vivaldo Barbosa, ex-deputado federal e professor da Unirio

Estabeleceu-se forte polêmica por ocasião da discussão e sanção da lei das cotas, recentemente. É uma discussão que continuará no seio da sociedade brasileira, mais até do que no ambiente político. Uma grande evolução aconteceu no pensamento da humanidade nos anos últimos anos. É da tradição universal a reparação e indenização de guerra, sempre impostas aos vencidos pelos vencedores, desde as primeiras eras dos povos. Mas indenização em virtude de massacres sobre grupos sociais ou étnicos somente está sendo concebida devido à forte luta dos judeus pela reparação e indenização em face do holocausto sofrido por eles durante o regime nazista de Hitler.

O holocausto dos judeus durou aproximadamente dez anos. O holocausto dos nossos irmãos negros durou cerca de trezentos anos de escravidão! O Brasil, os Estados Unidos, outros países da América Latina, da América Central e do Caribe têm o dever de reparar a escravidão que vitimou suas populações negras. Muitos vão objetar com inquietação: como fazer?

Aqui no Brasil, com a abolição da escravatura pura e simples, nossos irmãos negros foram largados sem trabalho, sem assistência, sem casa, sem comida. O Brasil era uma das sociedades mais atrasadas do mundo no século XIX. Sem casa e sem terra, os ex-escravos subiram os morros para sobreviver em humildes barracos. Há maneiras até simples de repararmos este grave erro histórico.

O Estado brasileiro tem de propiciar escola de graça para todas as crianças e todos os jovens negros, em todos os níveis, do primário à universidade. Agora, a lei de cotas já reserva vagas em todas as escolas para nossa população de origem africana. Onde não houver educação pública, o governo federal há de arcar com os custos das matrículas em escolas particulares, em qualquer nível. Cada família há de ter uma casa, por mais simples que seja. Residência digna para cada família é a recompensa necessária para quem foi jogado ao léu, sem eira nem beira, como diziam os antigos portugueses.

Cada irmão ou irmã nosso negro há de ter garantido um emprego, como compensação a quem se livrou de um sistema de trabalho e produção escravo, mas que foi jogado no mercado sem a mínima condição de disputar posições. E que em seguida assiste à chegada de italianos, alemães e outros europeus preparados para ocupar posições que nossos irmãos ex-escravos com eles não podiam competir. Nem com os brancos que aqui já viviam, que tiveram escolas e herdaram as melhores posições.

Simplesmente, educação, casa e trabalho para reparar e indenizar o holocausto de 300 anos de escravidão.

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