16 de outubro de 2012

Cotas Raciais


Declaração pessoal sobre cor será único critério para cotas
MEC define que a afirmação do candidato basta para pleitear vaga nas federais
Planalto também prepara pacote de ações que inclui adoção de cotas para negros no serviço público
DE BRASÍLIA, Folha de S.Paulo, 16-10-2012

A palavra do próprio candidato sobre sua cor de pele será o único critério das universidades federais para a definição da raça dos alunos beneficiados pela lei de cotas.
A lei, que já vale para os próximos vestibulares das federais, reserva 50% das vagas nas 59 instituições do país para estudantes que cursaram todo o ensino médio na rede pública de ensino.
Metade dessas vagas será distribuída com base apenas em critérios raciais. A outra metade analisará ainda a renda familiar do candidato.
"Se nós tivermos algum problema importante [com a autodeclaração], seguramente poderemos avaliar outras medidas. Mas a política é de autodeclaração, esse é o sentido da lei que o Congresso votou", disse o ministro Aloizio Mercadante (Educação).
Ele refutou a possibilidade de as universidades criarem comissões para confirmar a informação dada pelo aluno -modelo hoje utilizado pela Universidade de Brasília.
"A autonomia universitária não é soberania universitária", completou o ministro.
As ações afirmativas do governo não devem parar por aí. Como a Folha revelou no domingo, o Palácio do Planalto prepara o anúncio para este ano de um amplo pacote de de ações que inclui a adoção de cotas para negros no funcionalismo federal.
REGULAMENTAÇÃO
Apesar de a lei já valer para o próximo vestibular, as federais têm até agosto de 2016 para aplicar a reserva de 50% integralmente.
Ontem, foram publicados no "Diário Oficial da União" um decreto e uma portaria regulamentando a lei de cotas.
O MEC garantiu que a distribuição das vagas considere o total das três raças (pretos, pardos e indígenas) na população de cada Estado, em vez de considerar o peso individual de cada uma delas para o cálculo das cotas.
Na prática, isso significa que uma universidade poderá preencher a cota destinada às três raças com uma única etnia.
A regulamentação sugere ainda quais documentos as universidades devem exigir para confirmar a baixa renda de alunos da rede pública -metade das cotas é destinada a alunos cuja família tenha renda bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.(FLÁVIA FOREQUE)

A FAVOR
Cotas mostram 'compromisso', afirma professor
DE SÃO PAULO
Para o professor Nelson Inocencio, coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da UnB (Universidade de Brasília), o pacote de ações afirmativas que será anunciado pelo governo federal e que inclui, entre outras coisas, reserva de cotas para negros no funcionalismo federal é um compromisso com a sociedade brasileira e com a comunidade internacional. (ANDRESSA TAFFAREL)
Folha - Esse pacote de ações afirmativas é um 'passo certo' na implantação do Estatuto da Igualdade Racial?
Nelson Inocêncio - Sim. Essas políticas são os primeiros resultados da Conferência de Durban [de 2001], na África do Sul, contra o racismo e a descriminação racial.
Lá, o Brasil assumiu o compromisso de fazer o dever de casa, pois sempre foi signatário das conferências da ONU de combate à discriminação racial, só não tinha feito um trabalho efetivo. Essas ações são um compromisso com a sociedade brasileira e com a comunidade internacional.
O Estatuto da Igualdade Racial é uma resposta, ainda que com suas limitações, já que o texto original era mais ousado.
Como deve repercutir essa decisão de cotas para o funcionalismo federal? Haverá menos discussão do que na época da implantação das cotas nas universidades?
Não deve ter menos [discussão], mas acho que essas ações [anteriores] serviram para explicitar como boa parcela da população pensa. No que diz respeito à relação entre negros e brancos, a sociedade é muito conservadora.
Acho muito bom quando a sociedade toma suas próprias decisões e parte para o enfrentamento de questões. Como nem sempre isso acontece, a gente precisa da força da lei.


CONTRA
Governo instala 'Estado racial', diz sociólogo
DE SÃO PAULO
Demétrio Magnoli, sociólogo e professor da USP, defende que as medidas afirmativas para negros vão fazer com que os brasileiros, na sua imensa maioria, vivam cotidianamente sob o crivo da raça. (AT)
Folha - Como o professor vê a inclusão de cotas no funcionalismo público?
Demétrio Magnoli - O que o governo está fazendo é instalar um Estado racial. Isso não é novidade, é o que estava proposto no Estatuto da Igualdade Racial, que foi aprovado no Congresso apenas como uma declaração vaga de intenções.
No fundo, o governo está preenchendo aquilo que o Congresso não aprovou.
Todas essas medidas vão fazer com que os brasileiros vivam cotidianamente sob o crivo da raça. Qualquer coisa que se faça, desde entrar na faculdade até procurar um emprego, vai implicar uma autodefinição racial e uma certificação oficial dessa definição de raça.
Como a sociedade deve repercutir essa decisão?
Acho que tudo o que se podia fazer fora do Congresso já foi feito. Já houve uma saraivada imensa de críticas a essa política [de cotas]. O que eu acho é que a ampla oposição a esse tipo de medida que existe na população brasileira não encontra uma expressão política, porque os partidos de oposição renunciaram a fazer oposição a isso.
Na iniciativa privada, estuda-se criar incentivos fiscais para empresas que adotarem cotas para negros.
Na verdade, está tornando obrigatório, porque quando você dá benefícios fiscais está criando uma situação competitiva entre empresas. Você diz que está inviabilizando a empresa se ela não adotar o sistemas de cotas.

Debate sobre adoção de cotas raciais na USP emperra na Justiça
GIBA BERGAMIM JR.
DE SÃO PAULO
Uma audiência de conciliação entre a USP e entidades que defendem a reserva de vagas de ensino superior para negros, marcada para hoje, foi cancelada pelo Tribunal de Justiça após a universidade apresentar a possibilidade de realizar um seminário sobre o tema.
As ONGs têm cinco dias para recorrer da decisão. O cancelamento foi determinado pelo desembargador Marrey Uint, da 3ª Câmara de Direito Público do TJ.
Desde 2004, a Educafro (Educação para Afrodescendentes e Carentes) e o Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) tentam pelas vias judiciais fazer com que a USP apresente um programa de cotas para afrodescendentes e pessoas carentes.
Na audiência marcada para hoje, as entidades pediriam a apresentação de um estudo para as cotas já para o vestibular de 2013. O mesmo desembargador que havia marcado a audiência, porém, aceitou o pedido da universidade e a desmarcou.
Ao ser questionada sobre o cancelamento da audiência, a USP informou que irá fazer um seminário sobre o tema dentro da universidade e que isso já foi discutido com as entidades que pedem a implementação de um sistema de cotas na instituição.
A USP dispõe de um sistema de inclusão de alunos carentes, chamado Inclusp (Programa de Inclusão Social), para estimular a entrada de estudantes egressos da escola pública, segundo a universidade.
Entre as medidas do sistema está o Pasusp, que concede a candidatos que cursaram os ensinos fundamental e médio na rede pública bônus de até 15% da nota.
O advogado das duas ONGs, Hédio Silva Júnior, ex-secretário estadual de Justiça (em 2005 e 2006), disse que a USP nunca apresentou um estudo que mostrasse a eficácia de seu sistema para beneficiar os negros e mais pobres.
"A USP tem mais alunos africanos do que negros brasileiros. O único professor negro da entidade também era africano e já se aposentou", afirmou Silva Júnior.



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