5 de outubro de 2012

HÉLIO SCHWARTSMAN A força da incerteza

Folha de S.Paulo,5/10/2012

SÃO PAULO - Deu em "Ciência" que a ocorrência de fraudes em pesquisas médicas cresceu dez vezes de 1975 para cá. Eu não duvido, mas receio que isso seja menos que a ponta do "iceberg" do problema. Muito mais preocupante é ler que as conclusões da maioria dos artigos científicos publicados de boa-fé nos melhores periódicos estão erradas.
Quem fez essa afirmação, para lá de polêmica, foi John Ioannidis num artigo de 2005 na "PLoS Medicine" que imediatamente se tornou um clássico. É um texto bem técnico, que abusa da matemática para explicar que, devido a uma combinação de características da psique humana com a própria natureza do raciocínio estatístico (inferência bayesiana), a maioria dos estudos reflete mais os vieses dos pesquisadores do que propriedades reais do fenômeno analisado. Não importa o que o cientista queira "provar", com a força dos falsos positivos e um mínimo de lapidação estatística, ele terá sucesso.
A boa notícia é que, apesar de os "papers" médicos não terem o poder que lhes atribuímos, ainda resta uma hierarquia. Estudos randomizados e com muitos pacientes tendem a ser melhores do que os que se valem de menos cobaias, os quais, por sua vez, são superiores a pesquisas feitas com poucos controles estatísticos. Segundo o próprio Ioannidis, num outro artigo publicado na prestigiosa "Jama", algo entre 1/3 e metade dos trabalhos tidos como de melhor qualidade apresenta conclusões erradas ou francamente exageradas.
Antes de trocar a medicina pela homeopatia, vale lembrar que a tarefa mais difícil da ciência é separar dados que têm significado à luz de uma teoria do que é só ruído. Fazê-lo implica admitir que o mundo está cheio de incertezas. Devemos tentar medi-las e levá-las em conta na hora de interpretar resultados de pesquisas. Em teoria, a ciência já prevê a necessidade de corrigir a si mesma. Trabalhos como os de Ioannidis são um vetor dessa autocorreção.

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