6 de outubro de 2012

Intelectual na ativa: Eduardo Portella

Eduardo Portella comemora aniversário com exposição e debate na ABL e critica afastamento entre pensadores e a política

Leonardo Cazes
leonardo.cazes@oglobo.com.br

Leitor. Portella continua ávido por novidades e mantém em sua casa, no Flamengo, boa parte de seus 32 mil livros
Daniela Dacorso
aos 80 anos
Eduardo Portella, que completará 80 anos na segunda-feira, manca a perna direita ao receber a equipe de reportagem em seu apartamento na Praia do Flamengo. Resultado de uma torção no joelho sofrida durante uma pelada no Aterro, há um ano. A vitalidade física, e principalmente, intelectual do professor, ensaísta, crítico literário, escritor, editor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) há mais de 30 anos impressiona. Portella é capaz de discorrer sobre a relação entre os intelectuais e o poder e a seleção brasileira de Mano Menezes com a mesma facilidade. Na próxima quarta-feira, às 17h, sua trajetória ganhará uma exposição na ABL e um debate sobre sua obra.
O acadêmico se define como "um ensaísta que dá aulas". Para Beatriz Resende, ex-aluna e colega na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o ensaio é o gênero que melhor reflete o pensamento de Portella, por incluir uma boa dose de risco. Afinal, os ensaios são sempre provisórios, nunca totalizantes e definitivos. O professor concorda e aponta o gênero como seu "traço identitário".
- O que eu sou mesmo é ensaísta. Não quis ser poeta, narrador. Estou muito em paz com essa condição porque não há aposentadoria. O ensaísta é um crítico que tem uma relação com a linguagem do tipo fundador. Ele não escreve um texto burocrático, funcional. O ensaio possibilita uma apreensão da realidade mais profunda - reflete o acadêmico. - O ensaio nunca é definitivo. Minha teoria da literatura não comporta coisas definitivas. Além do mais, sou um conviva do risco, o risco é meu companheiro de viagem.
Essa atração pelo perigo o levou a aceitar desafios, como o comando do Ministério da Educação, Cultura e Desporto em 1979. Portella relembra que aceitou o convite para assumir um cargo do primeiro escalão na ditadura militar porque lhe falaram que aquele seria o governo da abertura. Não era bem assim. Visto pelo serviço de informações como um perigoso comunista, viveu como um equilibrista durante dois anos.
No MEC, viu-se no meio de uma briga entre militares de grupos rivais e em meio às críticas da esquerda. O professor se defendia como podia e cunhou a frase que entrou para o folclore nacional: "Eu não sou ministro, eu estou ministro". Marcio D'Amaral, professor emérito da UFRJ e secretário do ministério na sua gestão, afirma que "aquilo ali não dava para liberais de esquerda" como eles. O acadêmico, entretanto, não se arrepende e se orgulha de ter criado a primeira carreira do magistério superior. Já da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), obra sua, ele só assume a paternidade se o time estiver ganhando.
- Fui convidado para ser ministro da abertura e acreditei. Tanto acreditei que passei dois anos sofridos. E quando saí tive uma sensação não de perda, mas de alívio. A comunidade de informações me achava um comunista perigoso, o que nunca fui. Anistiei todo mundo, não aceitei a censura do ministério. Fiz uma declaração na época de que a única censura que admito é a que eu fiz por 20 anos, que é a crítica literária. O dia em que anistiei Darcy Ribeiro quase que eu caí, deu um bode... - lembra Portella.
Com a experiência de quem ocupou cargos públicos em todas as esferas, da municipal à mundial, na Unesco, o acadêmico vê com preocupação o afastamento entre os intelectuais e o poder. Para o professor, o divórcio tem um duplo motivo: o poder não gosta de crítica nem possui autocrítica e por isso afastou os pensadores. Já muitos intelectuais associam política com corrupção, o que ele não concorda.
- Há um desinteresse político do intelectual. Não que ele deva ser político, mas deve estar o tempo todo assistido por uma consciência política e deve tomar decisões de repercussão política. Isso é fundamental. Alguns são alienados por natureza, interessados apenas em fazer seu sonetinho. Outros são céticos estruturais, é a turma do voto em branco. E há quem seja desconfiado porque confunde política com mensalão. O mensalão é um absurdo da vida política, mas o exercício da política é uma necessidade da democracia - afirma.
A experiência política de Portella começou na juventude. Aos 23 anos, já bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e depois de três anos de estudo em Madri, foi nomeado assistente do gabinete civil do presidente Juscelino Kubitschek. Durante cinco anos almoçou todos os dias com o presidente e conviveu com políticos como Tancredo Neves. Apesar da experiência, recusou o cargo de procurador oferecido por Juscelino e preferiu o de docente na universidade, onde ganharia um salário bem mais baixo.
Até hoje o professor se mantém fiel ao mesmo departamento da Faculdade de Letras da UFRJ, onde formou uma geração de críticos. Aposentado, continua lecionando no doutorado e no pós-doutorado. Com ritmo de garoto, abre turmas todos os semestres, sempre concorridas. Apesar das décadas de magistério, não abre mão de preparar suas aulas, sempre com novidades.
- Ele é um liberal, respeita muito a opinião do outro. É extremamente erudito e generoso. Portella é surpreendentemente atualizado, está sintonizado. Na sua bibliografia, sempre há novidade. Temos um pacto, ele sempre me manda. É uma coisa impressionante - conta Beatriz Resende.
Entusiasta da discórdia
Suas aulas ocorrem, por uma questão de comodidade, no Colégio do Brasil, em Laranjeiras. A instituição foi criada por ele inspirada no Collège de France e no Colegio de Mexico e tem entre seus professores Emmanuel Carneiro Leão e Sergio Paulo Rouanet. Amante do debate, avisa aos seus alunos logo no início do curso que é um provocador profissional e espera discordâncias. Para ele, concordar é uma "operação intelectual preguiçosa".
- A discordância é altamente construtiva. Professores se consideram abalados quando um aluno discorda. Eu acho o contrário, é um grande momento. O professor não tem que ganhar do aluno. Se o aluno faz uma avaliação correta, o professor pode admitir. Não é só o aluno que precisa de mim, eu também preciso do aluno. É uma troca de figurinhas.
Dedicado desde 2009 apenas à docência e à reedição de suas obras pela sua editora, a Tempo Brasileiro, Portella permanece otimista. Soma novos títulos a sua biblioteca de 32 mil livros, dividida entre sua casa e o Colégio do Brasil, e se mantém um afiado frasista. Sobre os céticos, sentencia: "A ausência de esperança te impede de ver a realidade. Os céticos não sabem o que é realidade".

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