15 de outubro de 2012

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES A cidade contra o crime: São Paulo



São Paulo talvez devesse ter sua própria polícia, como Nova York, mas isso exigiria mudança na Constituição
Já não era cedo quando deixamos nossa amiga argentina num hotel no centro da cidade e voltamos pela rua Augusta a 30 por hora, assistindo ao desfile felliniano da fauna noturna. Aos poucos fomos deixando o movimento para trás e, numa esquina escura e vazia, paramos no sinal. E lá veio o cara com a garrafa PET verde debaixo do braço, a esponjinha e o rodinho em riste, prontos para limpar o para-brisa.
Fui logo gesticulando para que não ousasse. Contrariado, o rapaz pediu uma moedinha. Abri uma nesga da janela e disse que ia pegar. Até achar, passaram-se longos segundos. Poderíamos ter ficado mais tensos sobre o que o sujeito faria, caso ele não tivesse estendido um pacotinho e oferecido pela fresta: "Aceita uma bolachinha, doutor?". "Não, obrigado", respondi, desconcertado. Dei as moedas e acelerei para casa.
Conheço outras histórias, em circunstâncias parecidas, que não terminaram tão bem. Todos conhecem.
O recente "DNA Paulistano", levantamento do Datafolha sobre São Paulo, constatou aumento da apreensão com a violência. Com destaque para a rica zona oeste e a pobre zona leste. O medo do crime (14%) passou a ser o segundo maior problema citado, à frente do trânsito (12%) e atrás dos buracos nas ruas e calçadas (18%).
Em 2008, a segurança aparecia apenas em sétimo lugar como preocupação. Talvez essa avaliação se devesse ao fato de que naquele ano a taxa de homicídios da capital descia pela primeira vez ao patamar de 11 casos por 100 mil habitantes, depois de ter ultrapassado 50 homicídios por grupo de 100 mil, em 2000.
Desde 2008, entretanto, pouco mudou. Os homicídios oscilam no mesmo patamar e a incidência de outros crimes não recua. Desde 1999, permaneceram estáveis ou aumentaram os índices de delitos como lesão corporal, roubo e furto -excetuando-se os de veículos.
Enquanto isso, a polícia do Estado está envolvida numa guerra com o PCC, facção que atua em 123 municípios, arrecada milhões com a venda de drogas e conta com uma rede de mais de 1.300 homens, como revelou reportagem da Folha.
Para o governador Geraldo Alckmin, todavia, há "muita lenda" sobre o assunto. Ou muito "folclore", como declarou um coronel. "A facção não chega a 30 ou 40 indivíduos", tranquilizou o secretário da Segurança, Antonio Ferreira Pinto.
Ocorre que os enfrentamentos se sucedem. As mortes, de ambos os lados, também. Desde janeiro, 67 PMs foram assassinados, sendo que 64 em folga. A população em geral não parece preocupada com a violência policial -desde que não a atinja, é claro. E o governo tampouco. Alckmin nomeou e manteve até recentemente no comando da Rota, tropa de elite da PM, um oficial que é réu no processo do Carandiru.
Estamos falando de São Paulo, onde a situação é melhor do que em outros Estados -o que só ressalta a dimensão da tragédia da segurança pública no Brasil.
É inevitável considerar novas possibilidades de ordenação nessa área. O país é desigual e as estruturas de segurança poderiam se adaptar melhor às realidades locais. Uma metrópole como São Paulo, por exemplo, com seus 11,5 milhões de habitantes, talvez devesse ter o controle de sua própria polícia, como em Nova York. Mudanças desse tipo, porém, dependem de alteração constitucional -e exigiriam longo planejamento. Não seriam para hoje. Nada impede, porém, que possam ser discutidas.

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