17 de outubro de 2012

MATIAS SPEKTOR Colombianas

Folha de S.Paulo, 17/10/2012
Agora que há um plano de paz, talvez seja inteligente o Brasil recebê-lo de frente, com a mão estendida
O Brasil nunca engoliu o Plano Colômbia, iniciado há 12 anos.
Brasília negou pedidos colombianos de cooperação, recusou-se a tratar grupos insurgentes como "organizações terroristas" e denunciou a presença militar norte-americana.
Também rejeitou propostas de atuação multilateral. Quando membros das Farc violaram o território brasileiro, foram expulsos a bala em operações silenciosas e unilaterais.
O governo colombiano seguiu em frente. No processo, derrubou as taxas de homicídios e de sequestros. Desmobilizou 30 mil paramilitares de direita e reduziu as Farc à metade de seu tamanho original.
Pela primeira vez em uma geração, o governo passou a controlar quase todo o território do país.
Houve horrores. Entre 3 milhões e 4 milhões de colombianos abandonaram suas cidades de origem, criando enorme desafio humanitário. As violações de direitos humanos foram estarrecedoras, assim como a promiscuidade entre narcotráfico, insurgência e partidos políticos.
Desenhado em parte para eliminar o tráfico de drogas, o plano foi um fracasso: não apenas a Colômbia continua sendo o principal produtor da cocaína consumida nos EUA como a mercadoria ficou mais barata e de melhor qualidade.
É por isso que o governo colombiano iniciou um inédito processo de paz. O objetivo é desmobilizar a guerrilha para separar o tema da insurgência da questão do narcotráfico.
As autoridades contam para isso com bastante apoio popular, superioridade militar e a cooperação dos dois países que mais influenciam as Farc, Cuba e Venezuela.
Bogotá reconheceu que a parceria com os EUA chegou a um limite e deve ser dosada com melhores relações regionais e um modelo de conciliação no qual a guerrilha seja parte interessada.
O governo também aceitou discutir reforma agrária e uma política de inclusão para guerrilheiros que depuserem as armas. Até abriu a possibilidade de rever sua vetusta e contraproducente política antidrogas.
Tudo isso deveria ser comemorado porque a conexão entre guerrilha e narcotráfico afeta o Brasil em cheio.
Dificulta o controle eficaz da fronteira, transforma o porto de Santos em rota de escoamento, traz instalações de refino de cocaína para o território nacional, financia campanhas políticas na Amazônia com dinheiro ilegal e contribui para um ambiente propício ao crime organizado.
Contudo, em Brasília, não houve ainda um gesto contundente de apoio ao processo de paz recém-iniciado. A guerra colombiana é o mais longo e perverso conflito de nossa vizinhança. A primeira tentativa de pacificação em mais de uma década demanda cuidados.
Há inúmeros meios de expressar apoio em foros multilaterais, em encontros bilaterais e por meio de uma inequívoca mensagem presidencial. Está passando da hora de fazê-lo no mais alto nível.
Quando a Colômbia iniciou seu plano de guerra, o Brasil deu-lhe as costas. Agora que há um plano de paz, talvez seja inteligente recebê-lo de frente, com a mão estendida.

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