27 de novembro de 2012

ENTREVISTA RICARDO LAGOS


Chilenos não sentem melhora, apesar de economia em alta
Para ex-presidente chileno, população do país sabe que pib está crescendo, mas não sente os efeitos chegarem ao cotidiano
SYLVIA COLOMBOENVIADA ESPECIAL A GUADALAJARA, Folha de S.Paulo, 27/11/2012
A recente derrota do presidente conservador Sebastián Piñera nas eleições regionais chilenas é um desafio para a oposição, que precisa se posicionar para receber os votos dos decepcionados com o governo.
Assim pensa Ricardo Lagos, 74, um dos principais nomes da aliança de centro-esquerda Concertação, que governou o Chile entre 1990 e 2010 e almeja voltar ao poder nas eleições de 2013.
Lagos, presidente entre 2000 e 2006, está no México como convidado da 26ª Feira de Literatura de Guadalajara, que neste ano homenageia o Chile. No evento, lança os livros "Así lo Vivimos: La Vía Chilena Hacia la Democracia" e "El Siglo que Despierta", um diálogo com o escritor mexicano Carlos Fuentes, morto neste ano.
Leia os principais trechos da entrevista à Folha.
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Folha - Como avalia a derrota da Aliança, de Sebastián Piñera, nas eleições regionais?
Ricardo Lagos - Foi muito mais uma derrota do governo, como você diz, do que uma vitória da Concertação. Como oposição, ainda não nos apresentamos como uma opção bem definida de alternativa. É preciso afinar o discurso se quisermos voltar ao poder em 2013.
O que vimos nas eleições regionais foi essencialmente um voto de castigo a Piñera.
Como explicar a queda de popularidade de Piñera [ele tem 30% de aprovação e mais de 54% de rejeição], se o Chile possui hoje indicadores econômicos tão bons?
O que acontece é que, no Chile, os indicadores econômicos não bastam.
Todos sabem que o país está crescendo [a previsão para 2012 é de 5%], mas percebem que isso não chega a seus bairros. As melhorias na qualidade da saúde e da educação não são sentidas, pois falta investir nessas áreas.
Também houve a diminuição das taxas de desemprego, o que fez com que as pessoas não tivessem medo de ficar desempregadas e se sentissem seguras para sair às ruas para reclamar seus direitos.
Portanto, Piñera cometeu, basicamente, erros políticos.
Sim. Temos uma sociedade que hoje sabe mais, conhece mais. Há muito uso do Facebook, do Twitter, muita informação acessível e instrumentos para estimular mobilizações.
Quando o cidadão pode ler sobre irregularidades na compra de remédios, ou que há taxas de juros altas que o impedem de conseguir um crédito, é mais fácil hoje contextualizar e ver a responsabilidade do governo. Temos uma cidadania que se sente desamparada e se identifica assim em rede.
As pessoas têm mais, mas agora querem ser mais.
Isso se sente especialmente na educação, não?
Sim. Estamos muito orgulhosos no Chile quando dizemos que, de cada dez jovens na universidade, sete são de primeira geração. E é um avanço impactante. O problema é que isso tem um custo.
Um pai, ao ver que o filho passa no teste e conquista o direito de estar numa universidade, quer que esse direito seja garantido, mas não tem como arcar com o custo. De que servem bons números se não melhoram minha vida e a de meu filho?, pergunta-se.
E a revolta dos estudantes secundários, como a situa?
Nesse mesmo processo. Hoje temos cobertura de 100% na educação básica e média. Mas os alunos não têm garantia de que a educação que recebem lhes garantirá uma vaga na universidade. Como não se revoltar? É bastante natural, eu diria.
Recentemente, o Brasil julgou um importante escândalo de corrupção. Porém, na Argentina, a Justiça não atuou em um caso envolvendo o vice-presidente. Como vê a questão da corrupção na América Latina?
Sempre houve na América Latina países mais ou menos propensos a ter mais corrupção. Creio que o problema está aumentando. Aqueles que tinham corrupção agora têm muito mais. Os que não tinham começam a conviver com o problema.
É o caso do Chile: agora começa a haver denúncias na polícia e em outras instituições. É um problema gravíssimo e tem de ser combatido, como está fazendo o Brasil.
Como o sr. avalia a suspensão do Paraguai do Mercosul?
Creio que o bloco atuou corretamente. A saída do presidente Fernando Lugo [alvo de impeachment-relâmpago] não obedeceu a um processo devido.
Não basta cumprir a letra da Constituição, é preciso cumprir também o seu espírito. E o espírito, quando há um juízo político no Parlamento, é escutar as duas partes. Isso não ocorreu.
Vejo a América Latina progredindo. A Unasul (União das Nações Sul-Americanas) saiu fortalecida ao tomar essa decisão.


RAIO-X: RICARDO LAGOS
IDADE
74 anos
FORMAÇÃO
Direito (graduação na Universidade do Chile) e economia (doutorado na Duke University, nos Estados Unidos)
ATUAÇÃO
Professor universitário, ministro da Educação (1990-1992) e de Obras Públicas (1994-1998) e presidente do Chile (2000-2006)
ÚLTIMOS LIVROS PUBLICADOS
"Así lo Vivimos: La Vía Chilena Hacia la Democracia" e "El Siglo que Despierta"

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