28 de novembro de 2012

Incertezas de Kioto ameaçam mercado de desenvolvimento limpo


RIO - Um dos pilares de apoio do Protocolo de Kioto, o mercado de carbono encara um futuro incerto diante do iminente fim deste acordo internacional, que previa metas obrigatórias para emissão de gases que provocam o efeito estufa pelos países desenvolvidos até 2012. Sob a égide do chamado mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), empresas e governos destes países investiram em projetos de energia renovável e outras ações de redução da poluição em nações em desenvolvimento, livres das limitações impostas pelo protocolo, gerando créditos de carbono que poderiam usar para compensar suas próprias emissões excedentes ou negociar no mercado. Sem a estrutura vinculante de Kioto, no entanto, o sistema passará a depender de metas voluntárias para continuar a existir pelo menos até que outro acordo com força legal entre em vigor, o que está previsto para acontecer só a partir de 2020.

Segundo relatório da ONU, desde 2004 mais de quatro mil projetos foram registrados no MDL, envolvendo investimentos da ordem de US$ 215 bilhões. Mas após atingir o pico de mais de US$ 20 em 2008, a cotação dos créditos de carbono desabou na esteira das crises financeiras globais, chegando ao patamar de menos de US$ 1 nas últimas semanas.
Com isso, os negócios praticamente pararam e o temor é de que a situação se mantenha nos próximos anos, interrompendo o fluxo de recursos para iniciativas que permitiram, por exemplo, a construção de extensos parques eólicos e solares em países como China, Índia e Brasil e levaram tecnologia e outros benefícios a algumas das nações mais pobres do planeta.
— A crise não é de oferta, mas de demanda — diz o ambientalista e consultor Fabio Feldmann. — Há uma incerteza muito grande quanto ao tamanho e as regras que este mercado terá a partir do fim de Kioto, e o quadro não é nada otimista. A euforia que surgiu com a criação do mercado se dissipou, e agora há um desânimo total.
esperança de novos projetos
Sem os clientes cativos trazidos pelo protocolo, os detentores dos créditos de carbono devem se voltar para países e empresas presos a metas voluntárias de corte nas emissões em busca de compradores. Entre eles estão União Europeia e Austrália, que sinalizaram estarem dispostas a perseguir limites próprios em uma prorrogação unilateral de Kioto na 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP-18), em Doha, Qatar.
Outra esperança de encontrar demanda pelos créditos está no estado americano da Califórnia, que recentemente lançou um ambicioso programa de redução de emissões, assim como outros mercados internos que estão sendo estruturados na China e outros países numa tentativa de preservar este sistema de compensação. Tudo isso, no entanto, representa apenas uma fração do volume que se esperava que este mercado poderia chegar, com consequente impacto sobre o preço que se imaginava que os créditos atingiriam.
— No início, muitos imaginavam que os projetos do MDL eram um bom investimento porque os créditos poderiam chegar a valores altíssimos, de US$ 100 a tonelada de carbono — lembra Feldmann. — Havia uma expectativa de um cenário que não se cumpriu, e isso vai levar a uma interrupção dos projetos. Os que já estão em operação, geraram os créditos e estão negociando ou já venderam ou podem segurá-los esperando dias melhores, mas não acredito que existam investidores disponíveis dispostos a tomar uma decisão de investimento de médio a longo prazo diante de tantas incertezas regulatórias, fora o risco do negócio em si. Além disso, a Europa, que foi e deverá continuar a ser a principal compradora destes créditos, está em crise, o que dificulta ainda mais a situação.
Mas nem tudo está perdido, garantem os especialistas. Para começar, a negociação e estruturação do mercado de carbono foi um processo que levou cerca de 20 anos, um trabalho que os diplomatas reunidos em Doha não querem ver perdido e esperam deixar a postos para funcionar a todo vapor quando da instituição de novas metas obrigatórias no âmbito de um futuro acordo climático global.
empregos e tecnologia
O relatório elaborado pela ONU sobre o MDL apontou significativos benefícios paralelos dos projetos que foram muito além da simples redução das emissões, como a diminuição da poluição local, a geração de emprego e distribuição de renda, transferência de tecnologia, conhecimento e contribuição para o desenvolvimento regional.
— Há consenso de que seria um contrassenso matar o MDL, e acredito que se vai encontrar uma solução, como um regime transitório, à espera do desenrolar das lentas negociações do clima rumo a um próximo acordo que traga novos objetivos e metas obrigatórios — considera Emilio La Rovere, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. — A plataforma de ação lançada na COP-17 coloca a ideia de que todos os países, e não só os ricos, devem contribuir para a redução das emissões de gases-estufa, e isso vai ampliar muito o mercado. Seria um fracasso inconcebível jogar toda essa estrutura no lixo.

O Globo, 28/11/2012

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