27 de novembro de 2012

USP, Unicamp e Unesp preparam adoção de cotas


Folha de S.Paulo, 27/11/2012
Estudantes de escolas públicas passariam por curso antes de entrar na graduação
Proposta ainda está sendo definida e precisa de aprovação dos conselhos universitários e do governador de SP
DE SÃO PAULO
USP, Unesp e Unicamp preparam um programa conjunto para aumentar o número de estudantes de escolas públicas em seus cursos.
A proposta prevê selecionar os melhores alunos da rede para fazer curso semipresencial de dois anos.
Ao final, eles poderão disputar até 50% das vagas nos cursos tradicionais das universidades -a política de cotas é inédita nas universidades estaduais paulistas.
A medida passou a ser desenvolvida após pedido do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que disse aos dirigentes universitários que eles não poderiam ficar indiferentes ao programa de cotas em curso nas escolas federais.
A ideia inicial dos reitores, segundo a Folha apurou com professores, apresenta diferenças ao implementado nas federais, onde o estudante de escola pública, já ao sair do ensino médio, tem acesso às vagas reservadas.
No projeto paulista, estudantes de escolas públicas serão selecionados via Enem ou Saresp para o curso superior genérico e semipresencial.
Oferecido pela Univesp (universidade estadual virtual), esse curso dará direito a um diploma superior, que poderá ser usado, por exemplo, em concursos públicos.
Esses formados poderão, então, disputar vagas reservadas apenas a eles nas graduações tradicionais das universidades e das Fatecs. As notas no curso semipresencial serão usadas na seleção para as graduações.
NIVELAMENTO
A intenção é deixar os estudantes beneficiados em condições parecidas com as dos melhores alunos das particulares, que dominam a lista de aprovados no vestibular.
Durante a graduação, os estudantes selecionados deverão ter bolsa de estudos, para que não evadam.
Inicialmente, a ideia é que a cota seja de 50%. Segundo apuração da Folha, ainda há divergência se haverá benefício extra considerando os critérios raciais.
Em reportagem publicada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo", o reitor da Unesp, Julio Durigan, disse que haverá cotas raciais.
Durigan não concedeu entrevista ontem. A USP, que preside o conselho de reitores, disse apenas que a proposta não está pronta, posição parecida à da Unicamp.
Inicialmente, não está previsto o aumento no número de vagas nos vestibulares para atender aos estudantes do curso semipresencial. Assim, deverá haver menos postos para alunos da rede privada.
Qualquer alteração precisará ser aprovada pelos conselhos universitários.
Esses órgãos colegiados são tradicionalmente refratários à ideia de reserva de vagas, pois entendem que as cotas ferem o princípio da meritocracia acadêmica.
PERDAS E GANHOS
O modelo de um curso intermediário de dois anos é semelhante ao dos "colleges" norte-americanos. As federais do ABC e da Bahia também têm organização semelhante, em que os alunos entram em carreiras específicas após passarem por um curso inicial, com conteúdo básico.
Os reitores paulistas buscam mecanismo que possa aliar a inclusão de estudantes de escolas públicas sem deixar de lado a meritocracia.
Hoje, mais de 80% dos formados do ensino médio estudam na rede pública, mas eles representam cerca de 30% dos aprovados no vestibular da USP, por exemplo.

Discussão é antiga, mas enfrenta resistências
DE SÃO PAULO
As cotas vêm sendo discutidas desde meados da década passada nas universidades estaduais de São Paulo.
Até agora, tem prevalecido o entendimento de que reservar vagas para um público específico fere o princípio da meritocracia. Ou seja, não necessariamente os mais bem preparados seriam os escolhidos para os cursos.
Há o temor também de que aumentar a participação de estudantes com menos conhecimento dos conteúdos curriculares pode prejudicar os cursos de graduação.
Mas a pressão de movimentos sociais já fez com que Unicamp e USP adotassem um projeto alternativo, que é o de dar bônus no vestibular para alunos de escolas públicas.
As instituições têm comemorado os resultados. Na USP, a proporção de alunos da rede pública entre os calouros subiu de 24% em 2006 para 28% no último exame.
Mas entidades como a ONG Educafro acham pouco. Alegam que as instituições seguem elitistas (85% do ensino médio é público).
E agora há dois fatores novos. Um é a lei que obriga as federais a reservarem 50% dos seus postos, o que aumenta a pressão nas estaduais.
O outro é o engajamento do governador Alckmin no tema, já que ele pode ser atacado nas próximas eleições por não ter incluído alunos pobres no sistema. Com o pedido de Alckmin, os reitores tendem a se engajar mais para a aprovação das cotas, diz um dirigente da USP.



Para pesquisador, 'college' é melhor que as cotas
DE SÃO PAULO
Para Renato Pedrosa, coordenador do Grupo de Estudos em Ensino Superior da Unicamp, o"college" é melhor que o tradicional sistema de cotas, pois permite que o aluno se prepare para a graduação. (ANDRESSA TAFFAREL)
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Folha - O que o sr. acha do modelo de "college"?
Renato Pedrosa - É um modelo mais complexo, mas uma ideia boa, pois [a universidade] estaria mais próxima das escolas públicas.
É um sistema melhor que as cotas que temos hoje?
Sim, pois alguns [alunos de escola pública que ingressam pelas cotas tradicionais] têm deficiências bem difíceis de serem compensadas ao longo de um curso tradicional. No 'college', ele poderia se preparar.
Qual a melhor seleção?
Sou a favor do Enem, mas associado a outros critérios, como ter estudantes de todas as escolas.

ENTREVISTA
Disciplinas devem ser aproveitadas depois, diz docente
DE SÃO PAULOPara a professora do Departamento de Ciência Política da USP Elizabeth Balbachevsky, as disciplinas cursadas durante o "college" devem ser consideradas na formação posterior". (AT)
Folha - Como vê a proposta?
Elizabeth Balbachevsky - É um modelo testado internacionalmente e que tem apresentado bastante resultado. Mas na Universidade da Califórnia (EUA), por exemplo, esses dois anos de 'college' são abatidos do tempo de formação posterior. Seria importante que na iniciativa brasileira houvesse algo parecido; se não o aproveitamento do curso todo, pelo menos de matérias.
Teria problema o 'college' ser semipresencial?
Tem que ser presencial. Esses alunos precisam de um atendimento muito especial, um acompanhamento quase tutorial, não só de professores como também de um corpo de auxiliares.


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