25 de dezembro de 2012

Novo modelo de mídia na América Latina pode ser criado pelo Brasil


ENTREVISTA FRANK LA RUE
RELATOR DA ONU PARA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DEFENDE MELHOR DISTRIBUIÇÃO DE CONCESSÕES DE TV E COMBATE A MONOPÓLIOS, SEM INTERFERÊNCIA NO CONTEÚDO
NELSON DE SÁDE SÃO PAULO, Folha de SP,25/12/2012
Relator especial da ONU para liberdade de expressão, Frank La Rue defende que o Brasil estabeleça um novo modelo para a mídia na América Latina, a partir do que vêm fazendo Argentina e Uruguai. Ele dá "apoio técnico" aos dois na implantação de suas novas leis de mídia.
Em encontros neste mês em Brasília com os ministros Paulo Bernardo (Comunicações) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), entre outros, ofereceu o mesmo apoio ao Brasil para leis visando "regular as comunicações".
Para ele, "como a América Latina teve um desenvolvimento errado nas políticas comerciais de comunicação, é importante reverter".
La Rue defende melhor distribuição de concessões de televisão e combate a monopólios, não regulação de conteúdo. Aos 60 anos, ele escreve regularmente no jornal "La Prensa", da Guatemala.
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Folha - Como o sr. viu o relatório Leveson, sobre os desvios da imprensa inglesa?
Frank La Rue - Como relator, sempre digo que a liberdade de expressão deve ser direito de todos, universal: dos jornalistas, dos meios, mas de toda a população também. Tanto o direito de disseminar como o de receber informação, com diversidade e pluralismo. As concentrações de mídia e os monopólios ameaçam essa informação, esse pluralismo.
E esse é o caso inglês.
É o caso de Rupert Murdoch [magnata australiano]. O que acontece quando ele chega a ter tanto poder que [seus jornais] creem estar acima da lei e se dispõem a violar a privacidade dos cidadãos, com o intuito de alimentar notícias para o tabloide e vender?
É um escândalo, e não teria acontecido num país em que se limitam as concentrações, onde se regula a mídia. Murdoch pôde fazer isso no Reino Unido, mas não nos EUA. Outro exemplo é Silvio Berlusconi, que voltará a ser candidato na Itália. É muito perigoso, um atentado à liberdade de expressão e à democracia.
O relatório Leveson propõe participação estatal na supervisão da imprensa. Há lugar para o Estado aí?
É a pergunta mais difícil. Creio que o Estado tem de regular meios de comunicação social. São serviço público.
Há concessões.
Sim, mas as concessões são o mais fácil, porque são frequências de rádio, de TV, agora para internet. É mais fácil, porque são propriedade do Estado. É um recurso natural, digamos, que o Estado deve gerir, como os recursos de seu solo, água, petróleo.
Aí sim deve haver claríssima regulação, para estar a serviço do bem comum, de toda a população. Há frequências que podem ser comerciais, mas outras devem ser comunitárias ou para povos indígenas. E hoje só se vê [a questão] sob a ótica comercial, é um processo da América Latina.
Já na Europa, por exemplo, uma das primeiras e mais eficientes rádios é a BBC, que é pública, financiada pelo Estado. É preciso recuperar o espaço da comunicação pública na América Latina. Por isso eu saudei a lei argentina.
A Lei de Mídia.
É um bom passo. Mas a pergunta difícil é: o que fazer com os meios escritos? Creio que, se o conteúdo viola direitos de outros, o Estado deve proteger os outros, nada mais. O Estado não pode decidir qual deve ser ou não ser o conteúdo.
O que deve regular, sim, é a concentração, pelo poder político alterado que dá aos proprietários dos meios e porque viola o princípio da diversidade e do pluralismo.
Nos EUA, na mesma cidade, quem tem jornal não pode ter emissora de TV. Têm de ser dois proprietários distintos, para provocar equilíbrio.
A experiência americana é um modelo, na sua opinião?
Sim, a ideia é fazer com que os conteúdos sejam diversos. Não intervém no conteúdo, mas gera diversidade.
A Comissão para a Proteção de Jornalistas e o Instituto Internacional de Imprensa divulgaram números recordes de jornalistas presos e mortos ao redor do mundo. Como o sr. vê o Brasil, nesse ponto?
Não quero me pronunciar, porque não é uma visita oficial. Mas uma coisa eu quero dizer. Me parece que o Brasil está num momento interessante, em que pode elaborar as leis de regulação da mídia, antimonopólio, normas de uso das frequências, e eu ofereci apoio técnico.
Ofereci acompanhar o processo. Fiz isso na Argentina e comecei a fazê-lo no Uruguai, onde estive com o governo e vou voltar quando apresentarem o projeto ao Congresso.
Gostaria de fazer o mesmo no Brasil quando se fizer uma lei. Outro tema é internet. O Brasil tem um dado interessante: mais ou menos 50% da população com acesso direto ou indireto à internet. É muito bom, nível alto para países em desenvolvimento.
Propus ao governo um diálogo Sul-Sul, entre Brasil, África do Sul e Índia, talvez também Indonésia.
Sobre a Lei de Mídia...
Como a América Latina teve um desenvolvimento errado, no sentido das políticas comerciais de comunicação, é muito importante reverter isso. E é muito interessante o que está se passando no Mercosul: o que fez a Argentina, o que está fazendo o Uruguai e o que pode ser o Brasil.
O que o Brasil decidir sobre como regular as comunicações, especialmente a concessão de frequências e a digitalização, todo o tema de como facilitar acesso à internet... o Brasil está convocado a estabelecer um modelo.
Dois anos atrás, o presidente Hugo Chávez pressionou por sua demissão da ONU. Como vê esse tipo de reação?
Fui convidado a Caracas para um ato acadêmico concorrido e um encontro com a imprensa. Não houve problemas, não falei da Venezuela, mas dos princípios da liberdade de expressão. Creio que, no caso de Chávez, há uma reação terrivelmente autoritária.

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