20 de abril de 2013

Cidades inteligentes exigem mudança cultural, diz pesquisador


ENTREVISTA - MARTIN BRYNSKOV, 41

DOUTOR EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO DIZ QUE TECNOLOGIA PODE AJUDAR NO AUMENTO DA TRANSPARÊNCIA DOS GOVERNOS

ITALO NOGUEIRADO RIO, Folha de S.Paulo, 20/4/2013
Ao iniciar apresentações sobre "smart cities" ("cidades inteligentes"), o dinamarquês Martin Brynskov, 41, costuma apresentar uma imagem com a expressão ao lado da palavra "tecnologia". Segundos depois, ela e o adjetivo somem, restando apenas a palavra "cidade".
"Quando falamos em cidades inteligentes, não podemos falar em tecnologia. Temos que falar sobre a cidade que queremos", diz ele.
Brynskov, doutor em ciência da computação e professor do Centro de Tecnologia da Informação Participativa da Universidade de Aarhus (Dinamarca), afirma que os políticos dão muita ênfase à tecnologia e se esquecem que ela é um meio para melhorar a vida da população.
Para ele, a tecnologia pode ajudar no aumento da transparência dos governos.
"Como atualmente todos têm um celular no bolso, já há potencial de transparência. Está ficando cada vez mais difícil não ser transparente", disse ele à Folha.
O dinamarquês expôs na Bienal de Arquitetura de Mídia, em Aarhus, o projeto "City Bug Report" (relatório de problema da cidade, em tradução livre), no ano passado.
Brynskov e sua equipe instalaram painel com 5.000 lâmpadas de LED na torre da prefeitura --um marco da cidade-- no qual cada ponto mostra uma reclamação enviada por um cidadão por meio de um aplicativo de celular. A altura do ponto luminoso no painel indica o tempo levado para solucionar o caso --quanto mais alto, mais demorado está.
"As pessoas gostaram da transparência como forma de lidar com os problemas da cidade."
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Folha - Qual o papel da tecnologia nas cidades inteligentes?
Martin Brynskov - De onde venho, tentamos não falar muito sobre tecnologia, mas sim sobre cidades. Cidades são muito mais do que tecnologia. Claro que tecnologia é importante. Você precisar ser eficiente e "inteligente".
O sr. acha que se dá muita ênfase à tecnologia?
Isso é como perguntar se há muito tijolo na cidade. Talvez. Mas não é a questão mais importante. A questão é como se usa a tecnologia. Talvez a tecnologia esteja lá, mas é vista de forma negativa porque não ajuda a promover a vida que você quer viver. Conclui-se que há muita tecnologia. Mas se atende à vida que se quer, não há excesso.
As chamadas "cidades inteligentes" têm usado bem a tecnologia?
Há três fases das cidades inteligentes. A primeira, na década de 1970, foi quando a cidade tinha um parque industrial científico em áreas isoladas. A seguinte é quando cada setor da cidade eleva o potencial com a tecnologia, como otimizar o transporte público ou o uso da energia.
A fase três é quando inicia-se a discussão sobre como elevar o potencial da tecnologia integrando os setores. E isso é muito difícil de fazer em cidades já existentes.
Há cidades novas que nasceram com isso. Em Songdo [Coreia do Sul] eles pensam tudo junto. É uma cidade inteligente. Mas há um ponto importante nessas novas cidades: ninguém mora lá.
As cidades "pop-ups" são mais rápidas, mas não têm cultura, história, legado. São problemáticas em termos de cultura. Não se pode construir cidades como Masdar [em Abu Dhabi, que pretende ser polo de energia limpa] em todo lugar do mundo. Precisamos de um conceito de cidade inteligente que se encaixe nesse crescimento orgânico [das cidades já existentes].
O sr. acredita que alguma cidade usa bem a tecnologia?
Não. Mas cada cidade é diferente, cada cultura é diferente. Toma muito tempo. O iPhone chegou há apenas três anos. Tudo mudou tão rápido. Ninguém teve o tempo de reagir ainda.
O sr. diz que as cidades inteligentes precisam de uma mudança cultural. Por quê?
A nova modernidade é baseada em diferentes perspectivas andando juntas. A forma antiga de lidar com os problemas é olhar apenas para o tema central e resolvê-lo. Isso não é mais possível. O que temos hoje são problemas complexos. Para coordená-los não se pode ter uma autoridade apenas, num sistema piramidal [de poder].
As cidades devem se repensar como redes. E isso inclui o governo. Essa é uma transformação cultural. A razão pela qual essa rede é necessária é porque ela é possível.
Isso vai exigir mais transparência dos governos. No Brasil a cultura não é essa.
Como atualmente todos têm um celular no bolso, já há potencial de transparência. Está ficando cada vez mais difícil não ser transparente. A transparência deveria ser a regra. A forma antiga sem transparência, está sendo desafiada.
Como foi a experiência da torre instalada na prefeitura?
É real, como se fossem sinais de trânsito. É importante debater a dimensão cultural, porque não é engenharia. Todos viram a ideia. Quando políticos discutiam sobre como melhorar os serviços públicos, todos viram isso. Nós mostramos o princípio. As pessoas gostaram da ideia da transparência como forma de lidar com os problemas.

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