26 de outubro de 2013

ENTREVISTA - THOMAS E. MANN


Republicanos radicais 'suicidas' redobrarão sua agenda extremista
Cientista político diz que partido se tornou 'a velha Confederação' do sul escravocrata e que pode rachar por exageros de integrantes do Tea Party
Segundo o cientista político, ativistas do Tea Party redobrarão suas táticas e sua agenda extremistas
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON, Folha de S.Paulo, 26/10/2013
O Partido Republicano tentou pôr Barack Obama contra a parede e condicionar a aprovação do Orçamento, e quase forçar um calote, a cortes no plano de saúde universal criado pelo presidente.
Apelidado pela imprensa de "bancada dos suicidas", o grupo mais à direita tem barrado a possibilidade de consensos. Para um especialista no partido, eles vão "redobrar suas táticas e sua agenda".
Thomas E. Mann, 69, é pesquisador sênior de governança do Instituto Brookings. Com o também cientista político Norman Ornstein, 65, do conservador American Enterprise Institute, lançou o best-seller "It's Even Worse Than It Looks" [É ainda pior do que parece], que conta a história da radicalização do Partido Republicano.
Amigos há 45 anos, os dois dizem que essa convivência democrata-republicana "se tornou rara" no Congresso.
Para Mann, o partido virou "a velha Confederação", o sul escravocrata da Guerra Civil. Abaixo a entrevista que ele concedeu em Washington.
Folha - Depois da derrota com a paralisação parcial do governo e do quase calote, o sr. vê alguma mudança possível na estratégia do movimento ultraconservador Tea Party?
Thomas E. Mann - Acho que os ativistas do Tea Party redobrarão suas táticas e agenda extremistas. O que vai fazer com que seu apoio no país como um todo continue a cair. Eles transformaram a política econômica em refém de suas ideias. O Congresso fracassa em construir consensos, aprovar leis, supervisionar o governo. É o pior momento em 40 anos que estudo o Congresso. E não dá para culpar os dois partidos. O extremismo é de um lado.
O discurso religioso de valores familiares se combina à crítica aos pobres que recebem ajuda do governo. Essa é a fonte de ressentimento contra o plano de saúde de Obama?
O plano de saúde ganhou vida política própria, separadamente do que prescreve. Muitos que se opõem não têm ideia de seu conteúdo. Mas é associado à demonização de Obama e a uma crença de que ele está transformando o país em socialista. Os membros fervorosos do Tea Party são principalmente religiosos conservadores que acreditam que as minorias e os pobres são um peso para a economia.
A dívida americana tem crescido muito na última década. Os que querem menos gasto público e menos impostos ficaram órfãos de partido com a radicalização republicana?
Nossos deficits foram reduzidos à metade nos últimos anos, e a relação da dívida como porcentagem do PIB se estabilizou. Temos problemas de longo prazo com o deficit porque nossa população envelhece e os custos de saúde e previdência vão subir muito. Isso poderia ser gerenciado por políticos pragmáticos. Os atuais republicanos falam muito de deficit e dívida, mas se preocupam mais em baixar os impostos e cortar partes do governo que ele não gostam, como os programas sociais.
Qual é a culpa de Obama nessa polarização?
É irônico ele ser tão demonizado como socialista e não americano. Mas ele explodiu por aqui como "pós-partidário". Tem visões de centro-esquerda, mas instintos bem moderados. Só não consegue persuadir os republicanos a apoiarem-no. A política de demonização não funcionou. Ele foi reeleito mais facilmente que o previsto.
Há a possibilidade de um racha republicano? O Tea Party criaria um terceiro partido?
Sim, os fiéis do Tea Party e seus patrocinadores exageraram na mão e podem mobilizar a liderança republicana contra si. Se extremistas racharem o partido e lançarem um candidato presidencial, os democratas terão uma vitória fácil.
Da reforma imigratória ao ódio contra Obama, parece que a raça tem um papel enorme nesse novo Partido Republicano. É mais difícil aceitarem uma América mestiça?
Raça é um tema que nunca está longe da política americana. O Partido Republicano hoje é a velha Confederação [Estados sulistas escravocratas que lutaram contra o norte industrial na Guerra Civil]. Não brancos hoje votam majoritariamente no Partido Democrata, e os republicanos não estão fazendo nada para reverter isso. A longo prazo, é uma estratégia perdedora.
O sr. escreve no livro que o novo Partido Republicano é extremo ideologicamente, despreza consenso e negociação, é anticientífico e declara guerra ao governo. Quando ocorreu essa transformação?
A luta interna para deixar de lado os moderados e pragmáticos começou nos anos 50 e tinha como alvo o presidente Eisenhower. A insurgência de Barry Goldwater em 1964 [senador que concorreu à Presidência naquele ano], o movimento econômico do lado da oferta, o foco em cortar impostos a partir do final dos anos 70 e a mobilização dos conservadores religiosos nos anos 80 contribuíram para o lado mais à direita do partido.
Ronald Reagan forneceu a retórica antigoverno, mas no governo foi bastante pragmático. Com seu desempenho, ele nunca seria nomeado pelo atual Partido Republicano.
A representação distrital foi desenhada em vários Estados para garantir a existência de bolsões republicanos que só trocam de mãos dentro do partido. Dá para mudar?
O abuso no desenho dos distritos é um problema menor. Os americanos estão geograficamente e ideologicamente polarizados, e isso produz assentos cativos na Câmara. Mas os democratas não têm se tornado mais radicais nos anos recentes. Só os republicanos. Nossa disfunção só será reduzida se o Partido Republicano voltar à política mais convencional e centrista. Eles precisarão de mais algumas derrotas eleitorais para que isso aconteça.

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