22 de janeiro de 2014

Brasil tem 55% mais presos do que a média global

  • Na última década, taxa de detentos subiu de 177 para 274 por 100 mil pessoas
MARIANA TIMÓTEO DA COSTA (EMAIL·FACEBOOK·TWITTER)
Publicado:
SÃO PAULO — A população carcerária no Brasil cresceu, nos últimos dez anos, em ritmo muito mais acelerado do que no resto do mundo: 71,2%, contra 8% da média dos demais países. Os dados foram calculados pelo GLOBO com base em duas listas, compiladas em 2003 e 2013 pelo International Centre for Prison Studies (ICPS), da Universidade de Essex, na Inglaterra. Como resultado da explosão do sistema carcerário, o Brasil hoje mantém na cadeia 55% a mais de presos do que a média internacional, sempre considerando a taxa média por 100 mil habitantes.
Se em 2003 a média mundial era de 164 presos, o Brasil estava abaixo dela: tinha 160. Em 2013, a situação se inverteu. Enquanto a média mundial é 177, a brasileira deu um salto: 274. Em 2003, o Brasil ocupava a 73ª posição no ranking per capita dos países que mais prendem. Subiu 26 posições no relatório de 2013, ocupando hoje o 47º lugar.
Em números absolutos, a população carcerária do Brasil passou de 285 mil para 548 mil nos últimos dez anos, num ritmo muito maior do que o crescimento da população. Isso levou o país da quinta para a quarta posição no ranking mundial, atrás de EUA, China e Rússia. A Índia, que antes ocupava a quarta posição — como manteve seu índice de presos mais ou menos estável ao longo da última década —, caiu para a quinta posição.
— Compilamos o relatório há 15 anos. Mas observamos o Brasil desde 1992. Desde então, a quantidade de presos per capita do país vem crescendo exponencialmente. O relatório de 2013 é com dados de 2012, os únicos disponíveis sobre o Brasil. Estamos ansiosos para ver os números do ano passado — diz Roy Walmsley, coordenador do estudo.
A instituição recolhe com países e organizações internacionais o número absoluto de presos, da forma mais atualizada possível e nos países onde ela é disponibilizada — o que muda ao longo dos anos, devido a guerras e instabilidade política —, e calcula a população carcerária per capita.
Melhor dosagem de prisões
A organização defende que o número de prisões em todo o mundo seja “melhor dosado” porque, salienta Walmsley, nem sempre “prender mais é sinal de mais justiça”. Segundo o coordenador do ICPS, mostrar essa discrepância entre os países tem como objetivo ajudar políticos e especialistas a considerar onde mudanças são necessárias, “dados os custos elevados e a eficácia duvidosa do emprisionamento”.
Marcos Fuchs, diretor-adjunto da Conectas (ONG de direitos humanos), e Eduardo Baker, advogado da Justiça Global, não se surpreendem com essa “explosão da população carcerária no Brasil”.
— O problema do sistema carcerário no Brasil precisa ser encarado com outros olhos. Se a Lei de Execução Penal, de 1984, fosse cumprida, o país já poderia dar um grande passo: pensando em penas mais brandas para certos crimes, em penas alternativas, em trabalho e reeducação de presos. Tragédias como esta do Maranhão são recorrentes na História do Brasil, e o sistema penitenciário está associado a ela — acredita Baker, para quem “não houve vontade política em nível federal e estadual para se resolver o problema”.
Política americana é revisada
Baker considera importante comparar a situação brasileira com a dos EUA. Apesar de ocuparem o primeiro lugar absoluto em todos os rankings de população presidiária, os americanos vêm, de 2008 para cá, promovendo uma série de medidas para reduzir o número de pessoas encarceradas.
— Os EUA viram que aquela política de prender todo mundo não necessariamente reduziu o problema do tráfico de drogas, ou mesmo da violência, da existência de gangues. O índice de mortes sob custódia nos EUA, por exemplo, é bem alto — destaca Fuchs, que reclama da qualidade dos dados sobre o sistema.
Ele afirma, por exemplo, que os EUA não contabilizam adequadamente as mortes na cadeia, sem fazer distinção entre morte violenta e morte natural. No caso do Brasil, Fuchs diz que falta um compilamento eficaz, em nível nacional.
Baker diz ainda que qualquer debate sobre as prisões passaria tanto pela questão das penas em si como pela discussão: “o que realmente constitui um crime?”.
— Os americanos estão numa ampla discussão, por exemplo, sobre a legalização da maconha, o que não acontece no Brasil. Ainda temos uma sociedade muito conservadora nesse sentido — avalia.
Os dois especialistas destacam os baixos índices de presos per capita nos países europeus, que se reduziram ou se mantiveram estável ao longo dos anos. A Alemanha, por exemplo, que tinha 98 presos por 100 mil habitantes em 2003, hoje tem 79.
Diretor-presidente da Reviver, empresa que administra nove presídios no país, Odair Conceição afirma que o maior agravante da crise no sistema é o alto índice de reincidência: 70% dos presos, após libertados, voltam para a cadeia. Conceição diz ter conseguido reduzir a reincidência para 10% em suas unidades, conciliando tratamento humanitário, estrutura adequada e medidas como educação, trabalho e reinserção:
— Cada estado brasileiro tem sua “Pedrinhas” (o presídio do Maranhão). O governante e o Judiciário precisam fazer a sua parte. Cerca de 40% da população carcerária ainda não foram julgados.
Justiça chancela crise no sistema
A conselheira e ex-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) Marina Dias avalia que o Judiciário brasileiro acaba chancelando a situação de falência dos presídios do país ao não propor penas alternativas à de restritiva de liberdade, ao permitir que pessoas fiquem presas esperando julgamento e ao não acompanhar da maneira correta as condições das cadeias. A advogada afirma que a Lei de Execuções Penais prevê que promotores, defensores públicos e juízes visitem regularmente as penitenciárias.
— Será que isso está sendo cumprido? Será que, se estivesse, a situação estaria assim? — questiona.
Segundo Marina, levantamento do Ministério da Justiça em 2009 revelou que 80% da população presa não conseguem pagar advogado e dependem de Justiça pública.
— Mas o normal no país é que o defensor público só tenha contato com o preso no dia da primeira audiência — critica Marina.
Na opinião dela, para acabar com a tortura nas cadeias, é preciso aprovar projeto de lei que prevê a criação da audiência de custódia, que existe em outros países e pela qual os presos têm que ter o primeiro contato com o juiz até 48 horas depois de sua detenção. Com isso, pode denunciar torturas e ter acesso rápido à Justiça.
Para Marina, há um ciclo vicioso que faz o egresso da cadeia, que não consegue se reinserir na sociedade, retornar à prisão.
— A gente prende muito e prende mal — afirma. (Colaboraram Thiago Herdy, Flavio Freire e Tatiana Farah)


 http://oglobo.globo.com/pais/brasil-tem-55-mais-presos-do-que-media-global-11365780#ixzz2r7RdrXja 



RIO — Advogada criminal, a carioca Maíra Fernandes, de 32 anos, é a primeira mulher a presidir o Conselho Penitenciário do Estado do Rio. Também é coordenadora-geral do Fórum Nacional de Conselhos Penitenciários, criado ano passado, faz parte do Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher e da Comissão de Segurança Pública da OAB.
O número de presos provisórios no Brasil chega a 40%.
É um número muito, muito alto. As pessoas estão presas e não têm sentença condenatória. No Brasil, prende-se demais porque se acredita que a prisão é o melhor método. Mas o crescimento da população carcerária já mostra que esse não é o caminho. Esquece-se que prisão antes da sentença é exceção e não regra. E para ser decretada, por exemplo, se tiver risco da pessoa sair do país. Além disso, o problema se dá na entrada do sistema e na saída. Uma pesquisa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostrou que 16% dos presos condenados tinham direito a benefícios que não estavam sendo concedidos. Com isso, muitos ficam mais tempo na prisão do que deveriam.
A Lei de Medidas Cautelares é de 2011, mas um estudo feito no Rio mostrou que o número de prisões provisórias não vem caindo muito.
A lei é taxativa: serão presos os que cometerem crimes dolosos e que terão pena privativa superior a quatro anos e aqueles que cometerem violência doméstica, por exemplo. Mas a mentalidade do Judiciário e da população é de que prisão resolve. Fui ver o dado do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e, em 2012, dos 548 mil presos, 54.803 eram presos com pena até 4 anos. Isso dá 10% da população carcerária. O Brasil tem a falsa ideia de que quem está preso é muito perigoso. Mas se somarmos homicídio, homicídio qualificado, sequestro e cárcere privado são 67.736 presos. Presos por furto simples, que não tem violência ou grave ameaça, são 38.027 pessoas. Não se aplica a Lei de Medidas Cautelares porque existe a cultura de que prisão é regra. Sabe-se que mesmo cumprindo medida cautelar que a pessoa pode ter a prisão decretada a qualquer momento, mas ainda assim é ela presa antes de responder ao processo. Existe juiz que até decreta fiança, mas o valor é alto, a pessoa não pode pagar e vai presa. E olha que a reinicidência de quem cumpre pena alternativa é muito mais baixa do que a de quem fica preso, que fica entre 70% e 80%.
Pesquisa da Pastoral Carcerária apontou que o perfil dos presos provisórios em São Paulo é de jovens de 18 a 25 anos, pardos, com um ou dois filhos. Pode-se dizer que esse é o perfil em todo o país?
Sim, a população carcerária brasileira é majoritariamente formada por jovens negros e pardos. Muitos são primários. Todos ficam presos ao lado de pessoas perigosas e acabam sem perspectiva nenhuma. Eu luto para que haja estudo e trabalho na prisão, mas não acredito que prisão ressocialize ninguém. Prisão é pena. A chaga da prisão, o estigma é carregado para sempre.
O que pode ser feito?
Podem parar de mandar à prisão quem pode receber pena alternativa. O tempo na prisão é um dano irreparável. Quem vai preso sempre vai ter, por exemplo,dificuldade para conseguir emprego. Existem entraves burocráticos enormes para tirar o título de eleitor se a pessoa estiver no livramento condicional ou no regime aberto. A maioria dos presos não tem nem identidade, imagina título. O Conselho conseguiu vinte vagas para egressos e não preencheu nenhuma porque eles não tinham título de eleitor.
Ao pesquisar no Depen, a senhora constatou que os crimes que mais prendem são roubo, furto, estelionato e tráfico de drogas, e que o número de presos por tráfico vem crescendo.
A ideia da Lei de Drogas, de 2006, era diminuir o encarceramento. Aconteceu o contrário. Vemos muitos usuários enquadrados como traficantes e pequenos traficantes sendo presos. Hoje, 26% da população carcerária do país é de presos ligados às drogas. A lei não faz distinção entre usuário e traficante, isso depende do policial. Se for registrado como tráfico, isso só vai mudar se a pessoa tiver uma boa defesa.
As defensorias estão abarrotadas. Como isso prejudica quem depende do serviço?
Não há defensores para todas as delegacias do estado do Rio, por exemplo. Se o preso em flagrante não tem um advogado, ele depende da defensoria. Como não tem para todos, muitas o defensor só fica sabendo da situação de quem foi preso quando o processo chega até a vara criminal. Isso leva alguns dias. Sem a presença do defensor é mais difícil que os juízes apliquem as medidas cautelares. Isso cria a situações como a de um rapaz que ficou preso provisoriamente por dois anos e acabou tendo a absolvição pedida pelo Ministério Público.
A senhora costuma visitar presídios. O que tem visto?
Toda vez que visito, eu ouço os presos e converso com suas mães. A pena não pode passar da pessoa condenada. Mas condena as mães também. É difícil entender que a pena vá além da pessoa na prisão. Eu sempre saio pior. Dá uma sensação de impotência, de enxugar gelo. Se fizessem Justiça, a maioria não estaria lá.
Durante o processo do mensalão havia uma espécie de torcida para que todos fossem para a cadeia como se fosse o fim da impunidade no Brasil.
Sim, mas mesmo para os mensaleiros há uma série de penas que restringe a liberdade e que não são a prisão. Se o Genoino tem um problema de saúde e pode arcar com o tratamento em casa e isso é mesmo custoso para o Estado, ele pode cumprir pena em casa. Ele e qualquer o preso nessa situação. Acreditam que a prisão é a melhor forma de punição. Mas restituir o valor, prestar serviço comunitário, isso pode ter efeito melhor que a prisão. Se uma pessoa usa monitoração eletrônica, ela continua trabalhando e pode manter a família. Isso é uma vida com restrição. Mas em um caso do dia a dia ou no mensalão as pessoas acreditam que a prisão é a melhor solução. Não se preocupam se os homicídios estão ou não sendo resolvidos, mas acreditam na prisão para resolver o tráfico. Não vejo o mesmo empenho da sociedade para que mortes sejam esclarecidas.
Uma parcela da sociedade acredita que as pessoas devem mesmo ser presas. O número alto de presos no Brasil reflete isso?
A sociedade quer que presos sejam tratados como insetos, sem o mínimo de dignidade. É cultural, e isso demora mudar. Parece medieval, parece que querem ver quem vai ser enforcado em praça pública. Defendem que as prisões sejam terríveis. Defendem que vivam sem condições de higiene, e aí a pessoa vai sair pior. Vai sair doente, vai circular.
A senhora acredita que as pessoas esqueçam que os presos acabam saindo da prisão?
As pessoas esquecem que não temos prisão perpétua nem pena de morte. Eles vão sair. E vão sair piores porque falta perspectiva ao egresso do sistema. A sociedade recrimina preso não ter emprego, mas é a primeira a fechar as portas. É difícil a pessoa virar a página. Como uma das minhas funções é prestar apoio aos presos, sem romantismo, digo que é possível recomeçar. Pessoas presas por crimes contra o patrimônio ou pequeno tráfico, se aparece a oportunidade de emprego, elas aceitam.
Ainda que uma parcela da sociedade defenda que as pessoas sejam presas, o sistema carcerário não é um assunto muito discutido no Brasil.
As pessoas dizem que não interessa. Discute-se hoje por conta de Pedrinhas, no Maranhão. Mas vão discutir até quando? E a questão vai continuar sendo um barril de pólvora, ainda que não seja prioridade nem para os três poderes.
Como assim?
Ninguém se sente responsável pelo caos carcerário. O Legislativo faz lei para aumentar o tempo do encarceramento, o Judiciário prende muito e enquanto continuar não aplicando os benefícios, podemos construir milhares de unidades prisionais... Não sou contra construir, temos superlotação, mas se construir e continuar prendendo como se prende não vai dar vazão.
Existe um debate no Congresso sobre a Lei de Execução Penal (LEP). Como a senhora vê?
Existem propostas boas, mas a LEP é uma lei que em grande parte não saiu do papel. Vários estados nunca construíram casa do abrigado, o semiaberto não é cumprido em colônias agrícolas ou industriais. Em quase todos os estados são quase como regime fechado. O ensino fundamental é obrigatório e só 10% da população carcerária brasileira estuda e isso inclui os que fazem curso profissionalizante. A LEP diz ainda que a prisão deveria ser exceção e não regra.
O que precisa ser feito?
Devemos avaliar as decisões políticas que nos levaram a ter mais de meio milhão de presos. O Maranhão mostra que chegamos ao fundo do poço. É importante repensar a atuação dos poderes que mantêm no cárcere quem não deveria.


PORTO ALEGRE – A ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, reconheceu nesta terça-feira que a tortura é “uma prática nefasta” das instituições brasileiras que deve ser enfrentada “com decisão” pelo governo, na medida em que envolve agentes públicos e servidores do Estado. A declaração foi uma resposta ao relatório da entidade internacional Human Rights Watch (HRW), que denunciou “práticas abusivas” por parte de policiais brasileiros como estratégia para lidar com os altos índices de criminalidade do país.
Para a ONG, a violência generalizada é um grave problema em várias cidades brasileiras. O relatório da organização lembrou o caso Amarildo e a repressão às manifestações de junho do ano passado como exemplos de violação dos direitos humanos no Brasil.
Rosário lamentou o envolvimento de agentes do Estado na prática de atos abusivos aos direitos humanos, mas creditou o problema uma “cultura de violência das instituições”, que foi consolidada durante os anos de ditadura militar, entre 1964 e 1989. Ela disse que o tema tem de ser enfrentado “permanentemente” no país.
- Não podemos descansar no Brasil enquanto qualquer pessoa sofrer tortura, em qualquer instituição. São pessoas que estão sob guarda e responsabilidade do Estado, estejam em presídios, em unidades socioeducativas, em hospitais psiquiátricos, onde for. Consideramos a situação grave e estamos tomando providências – disse.
A ministra citou os governos estaduais e o poder judiciário como os principais responsáveis pela crise do sistema carcerário, também citada no relatório da ONG. Segundo ela, os estados têm “especial responsabilidade” devido à administração dos sistemas prisionais, enquanto a Justiça “tem especialíssima responsabilidade” porque é ali que se definem as penas que lotam as penitenciárias.
- Reconhecemos que temos índices de superlotação, mas conclamamos o Poder Judiciário a que enfrente esse problema resolvendo a questão dos presos provisórios. A questão prisional diz respeito a todos – criticou a ministra.
Segundo Maria do Rosário, até o final do ano deverá estar implantado o Sistema Nacional de Enfrentamento à Tortura, que terá um comitê com membros do governo e da sociedade civil e um mecanismo de prevenção com 11 peritos autônomos com acesso livre a qualquer instituição do país. Os peritos terão mandato de dois anos e serão indicados pela presidência da República. Maria do Rosário disse que o objetivo do governo é implantar sistemas semelhantes em todos os estados brasileiros.
A ministra relativizou as críticas da Human Rights e disse que a organização reconheceu vários avanços do governo brasileiro no combate às práticas abusivas, como no âmbito do trabalho escravo e da recuperação da memória e da verdade do período autoritário. Segundo ela, o país avançou ao “enfrentar os laudos mentirosos do período da ditadura”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário