12 de fevereiro de 2014

JAIRO MARQUES, A sociedade da intolerância


Forçar na fuça do outro o que se considera ideal é prerrogativa de tempos que não deixaram saudade
Na semana passada, duas deputadas federais que são cadeirantes, Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Rosinha da Adefal (PTdoB-AL), receberam uma vaia retumbante ao conseguirem, após uma hora de atraso, embarcar em um avião em Brasília.
Os passageiros estavam possessos com aquela demora que ocasionaria transtornos diversos em suas vidas. Tudo por causa de duas políticas que, provavelmente, estavam tendo algum tipo de regalia como poderiam pensar alguns, os que puxaram a reprovação coletiva.
Não era nada disso. As duas, como qualquer pessoa com deficiência deste país, passaram maus bocados para que a empresa aérea e a Infraero conseguissem o equipamento que garante o embarque --com alguma dignidade, e não como um saco de batatas-- para quem usa cadeira de rodas ou tem movimentos restritos.
Também na semana passada, um adolescente negro e "bandidinho" foi amarrado a um poste com um cadeado fixado a sua goela para mostrar como se faz com quem é infrator e um homem foi ridicularizado nas redes sociais porque estava no aeroporto de camiseta regata e bermuda, afinal, o calor está de matar.
Adicione a esses "fatos isolados" as surras que gays têm tomado diuturnamente nas grandes cidades, os ataques como quais os de enxame de abelhas em pessoas que externam pontos de vista avessos ao padrão dito comum e as ameaças a grupos de piadistas.
Velozmente, atitudes pouco pensadas e questionadas, com consequências nada imaginadas e medidas, estão sendo postas em curso, doa a quem doer. O que importa é colocar para fora insatisfações ligeiras ou que incomodem ao ponto de gerar um beicinho, uma sensação de mal-estar.
Tolerância com as diferenças e com a diversidade é valor em franco declínio. O pato a pagar com essa falta de maturidade social, que não analisa, apenas age, tende a cair no colo de quem não se alinha ao óbvio.
Sendo o óbvio os atrevidos, os que compõem minorias, os que não jogam no meu time, os que não comem no meu restaurante e os que "eu" considero incomuns diante do que "eu" acredito ser bacana.
O incômodo com o outro é do homem desde as cavernas, mas sacar as bordunas e empunhá-las na fuça alheia a troco de querer garantir o que unilateralmente se considera Justiça ou se considera ideal é prerrogativa de tempos históricos que não deixaram saudade.
Lá em casa, Cláudia e Marcos ficaram grávidos de gêmeos e estavam ansiosos para que seus pequenos trouxessem ainda mais confusão à família, que foi agregando gente de todos os tipos: japonês, mineiro, italiano, gordo, magro, "mal-acabados" e muitos cachorros.
Pois não é que Luiza nasceu branquinha, como a mãe, e Bernardo fincou os pés na África e tem a cara do pai, que é negão? Motivo de orgulho, de festa e de reflexão sobre como é bom ter próximo um carnaval de diferenças para tentar entender mais a multiplicidade de verdades em torno das pessoas.
Sair do quadrado daquilo que se acha correto, normal e dentro dos padrões expondo-se a vestir uma roupa do avesso pode ajudar a diminuir o protagonismo da intolerância e ampliar o direito do outro de ser o que quiser e de ser mais bem compreendido em suas demandas.
Folha de S.Paulo, 12/2/2014

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