19 de maio de 2014

educação: Guerra aos rankings


Artigo de Antonio Gois publicado em O Globo. Crítica a testes padronizados precisa ser considerada, mas abolir avaliações externas pode ser ainda mais prejudicial aos estudantes

Um grupo de respeitados educadores estrangeiros divulgou neste mês um abaixo-assinado criticando o que consideram o uso exagerado de testes padronizados para avaliar a qualidade do ensino. O principal alvo deles é o Pisa, exame internacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia o desempenho de jovens de 15 anos em 65 nações. O argumento é que provas como essas estão matando o prazer de aprender e empobrecendo salas de aula, ao estimular, cada vez mais, o uso de testes de múltipla escolha ou padronizados. Essa ênfase em exames que medem apenas um aspecto da educação - no caso, o desempenho dos alunos em provas de matemática, linguagem e ciências - causaria, segundo eles, um "mal irreparável" aos estudantes e às escolas.

O grupo critica ainda a forma como os resultados são apresentados. Ao ranquear nações pelo desempenho de seus estudantes, o Pisa joga pressão sobre países mal posicionados, desconsiderando que há fatores externos à educação que impactam significativamente no desempenho escolar. Comparar países em desenvolvimento - em que jovens de 15 anos, muitas vezes, conciliam o estudo com o trabalho - com nações ricas não faz sentido político nem pedagógico, dizem os signatários da carta.

No Brasil, a política de divulgação de avaliações externas da qualidade do ensino teve início no governo Fernando Henrique e foi ampliada durante a gestão Lula, quando passamos a ter resultados e metas não apenas por estado, mas também por escola. Até colégios privados começaram a ter suas médias divulgadas no Enem.

A cultura dos testes também tem seus críticos por aqui. Um dos principais argumentos, assim como no Pisa, é que há fatores externos - especialmente o nível de renda e escolaridade dos pais - que nada têm a ver com a qualidade do ensino em sala de aula e que são os principais determinantes do desempenho medido em provas. Além disso, no caso específico do Enem, há ainda o problema de ser um teste voluntário. Isso o torna mais suscetível a manobras de escolas que tentam ter mais visibilidade nos rankings elaborados pela imprensa selecionando ou incentivando apenas os melhores estudantes a prestarem o exame.

No entanto, apesar dessas imperfeições, é preciso considerar que tais avaliações externas deram aos pais e à sociedade, pela primeira vez, elementos objetivos para avaliar a qualidade do ensino. São ainda, quando bem utilizadas, instrumentos preciosos de diagnóstico para corrigir falhas.

Além disso, é preciso lembrar que a divulgação dos resultados externos teve um importante efeito de mobilização. Quando os mais importantes empresários do país se reuniram em 2006 para lançar um compromisso que deu origem ao movimento Todos Pela Educação, o desempenho ruim do Brasil no Pisa e nas avaliações nacionais foi um dos principais argumentos usados para cobrar de governos e da sociedade mais atenção ao tema.

Foi em boa parte também por causa do surgimento dessas avaliações que a Agência de Notícias dos Direitos da Infância identificou um crescimento exponencial no número de reportagens sobre educação em jornais desde 1996. Arrisco dizer que, sem a pressão gerada pelo nosso pífio desempenho nos exames nacionais e internacionais, dificilmente deputados e senadores seriam sensibilizados pela proposta, que consta do Plano Nacional de Educação, de ampliar o investimento no setor a 10% do PIB.

O debate sobre os efeitos colaterais indesejados dos testes padronizados precisa ser feito. Mas é preciso ponderar também que aboli-los por completo, como deseja uma parte de seus críticos, pode ser ainda mais prejudicial aos alunos.

Antônio Gois é colunista de O Globo

(O Globo)

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