20 de setembro de 2015

MARCELO LEITE Paris já era


Como na crise brasileira, as coisas ainda vão piorar muito no clima antes que todos comecem a se mexer
Faltam 70 dias para a Conferência de Paris. A reunião da ONU, 21ª da série, deveria fazer com que quase 200 países decidissem como tirar o clima da Terra da escalada de aquecimento em que se encontra.
A trajetória menos arriscada exigiria que o aumento da temperatura média da atmosfera não ultrapassasse 2°C em relação à era pré-industrial. Mas 0,85°C já ocorreram. Só temos mais 1,15°C para gastar.
Quem acompanha o assunto sabe que o acordo de Paris vai ser insuficiente, pois seria preciso que as emissões de gases do efeito estufa caíssem para zero daqui a 35 anos. Já faz 23 anos que a ONU negocia a questão, e a poluição climática só aumentou desde então.
Um total de 60 países já apresentou suas metas voluntárias para diminuir a produção de gases do efeito estufa. No grupo estão gigantes como China, EUA, União Europeia, Japão e Rússia. Juntos, representam 66% das emissões mundiais.
Pelas contas da Climate Action Tracker, não vai dar para o gasto. Estamos firmes no rumo de um aquecimento de 3°C.
Não serão as promessas dos atrasados responsáveis por 34% da poluição a fazer diferença significativa. A maioria dos recalcitrantes tende a anunciar metas que não acarretariam redução absoluta de emissões. É o caso do Brasil.
Faltam dez dias pra esgotar-se o prazo para essas promessas nacionais, apelidadas por burocratas do clima como INDCs. São as "contribuições pretendidas nacionalmente determinadas", uma forma prolixa de dizer que são metas voluntárias e que nenhum país estará legalmente obrigado a cumpri-las.
Talvez o governo divulgue a INDC brasileira na semana que começa. Talvez. Há uma reunião de cúpula sobre desenvolvimento sustentável marcada para Nova York de sexta a domingo (25 a 27), e dava-se por certo que a presidente Dilma Rousseff faria o anúncio na ONU.
Até essa previsão está em dúvida. Para que a INDC seja anunciada, primeiro há que tomar alguma decisão. Ninguém culparia Dilma por procrastinar nessa matéria de interesse secundário, quando seu próprio mandato está na reta.
Como assim, "interesse secundário"? Trata-se do futuro do clima, de sua estabilidade, de secas, de ondas assassinas de calor, de colheitas fracassadas, de milhões de pessoas refugiadas em Bangladesh, da economia em que sobreviverão (ou não) nossos filhos e netos.
Essa é a origem da prostração em que se encontram o Brasil e o restante do mundo diante do aquecimento global. Seus efeitos ainda parecem distantes no futuro, coisa para daqui a meio século, ou mais.
Como no caso da crise política e econômica brasileira, as coisas ainda precisam piorar muito antes que o pessoal comece a se mexer. Os efeitos em realidade já se fazem sentir, mesmo no Brasil, mas a maioria das pessoas prefere fechar os olhos.
Imagine agora que a crise política e a ambiental se cruzem. Este ano é de El Niño forte. O desarranjo que ele causa no clima mundial pode agravar a situação dos reservatórios no Sudeste e no Nordeste, levar incêndios à Amazônia, quebrar a safra e elevar os preços da comida.
Seria um belo safanão em todo mundo, mas nem por isso faz sentido prostrar-se hoje e torcer pelo pior amanhã. Quem consegue enxergar o desastre à frente tem de trabalhar para impedi-lo, por mais difícil que isso se torne a cada dia que passa.

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