20 de março de 2017

Em crise, universidade do Rio vive caos com pesquisa parada e sem aulas


Ricardo Borges/Folhapress
Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 16/03/2017; Hospital Pedro Ernesto, uma das principais unidades da UERJ, em grave crise financeira. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Hospital Pedro Ernesto, uma das principais unidades da Uerj (estadual do Rio), em grave crise financeira
O ano é 2017, mas a Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) ainda está em 2016. Por falta de repasses do governo estadual, a segunda melhor universidade do Estado e uma das 15 melhores do país, segundo o último Ranking Universitário Folha, está parada no tempo.
Seus alunos de graduação não começaram as aulas do segundo semestre de 2016, a pesquisa está quase parando e o hospital universitário funciona abaixo da capacidade.
Dos R$ 90 milhões anuais para custeio da universidade, o governo de Luiz Fernando Pezão (PMDB) repassou apenas R$ 15,5 milhões em 2016, e nada em 2017, diz a Uerj.
Com isso, o pagamento de empresas terceirizadas (vigilância, limpeza, manutenção, restaurante universitário etc.) está atrasado, inviabilizando a retomada das atividades, segundo a reitoria. Os problemas de repasse se arrastam desde 2015. Também estão atrasados pagamentos de servidores –os técnicos entraram em greve em dezembro– e de bolsistas.
Primeira universidade a adotar cotas, em 2003, a Uerj não paga desde dezembro as bolsas dos 7.500 cotistas, que dependem delas para chegar à faculdade, se alimentar no campus e comprar material. O bandejão, com refeições a R$ 2 para cotistas, está fechado.
O curso de medicina exemplifica os efeitos em cadeia da falta de recursos, que vão de impactos na vida de alunos ao atendimento à população que usa o hospital universitário, referência na rede estadual.
Por causa da paralisação em 2016, alunos do terceiro ano fizeram uma prova de estágio para hospitais municipais tendo estudado só metade do conteúdo necessário.
"O prejuízo é para nós e para a sociedade. A faculdade pública deve dar um retorno de serviço qualificado para a população. Como está, não é possível", diz Yan Ribeiro, 21.
"Se as atividades não forem retomadas até maio ou junho, em um dado momento faltarão alunos de internato, etapa de estágio no hospital universitário", diz o reitor, Ruy Garcia Marques.
Também significa encerrar um ano com cerca de cem médicos qualificados a menos no mercado –a média de formandos anuais da faculdade de medicina da Uerj. A situação se aplica aos demais cursos.
A crise também afeta a pesquisa e estimula a evasão de alunos. Exemplo disso é a pós-graduação em fisiopatologia clínica experimental, que tem nota máxima do Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e reconhecimento internacional. Neste ano, ela só preencheu cerca de 50% das vagas de mestrado e doutorado.
"Os alunos veem que a universidade está com dificuldade de manter as aulas. Vão se matricular num curso que pode parar?", questiona o pró-reitor de pesquisa e pós-graduação, Egberto de Moura.
O financiamento de pesquisa, diz ele, é feito pela Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio), que não liberou parte dos recursos de 2015 e nada de 2016, acumulando uma dívida de R$ 70 milhões com a Uerj.
"Cada vez mais jovens estão abandonando a pesquisa no Brasil. Os gastos públicos no futuro serão maiores porque a pesquisa contribui para prevenir problemas e gera recursos com desenvolvimento de tecnologias", diz Moura.
Carla Borges, 21, estudante de educação física, está sem receber a bolsa de iniciação científica, mas não pode buscar trabalho fora da universidade sem se desvincular dela. Por causa do atraso no início das aulas, não poderá fazer mestrado fora do país, para o qual já havia passado.
"Estou desolada, com os planos para o futuro congelados e sem dinheiro", diz.
SALÁRIOS ATRASADOS
Como os demais servidores do Estado, professores e técnicos da Uerj vêm recebendo seus salários parcelados e com atraso. A quinta e última parcela do pagamento de janeiro foi depositada na sexta (17). Não há previsão de quando cairão os salários de fevereiro e de março deste ano, tampouco o 13º de 2016.
O atraso no calendário da Uerj começou após uma greve de março a julho de 2016, em busca de reajustes de salários e bolsas e da normalização dos repasses do governo.
Os grevistas e o governo chegaram a um acordo que deu fim à paralisação: haveria reformulação do plano de carreira, aumento da bolsa de R$ 400 para R$ 450 (a partir de janeiro de 2017), repasse de R$ 13 milhões emergenciais e de mais cinco parcelas mensais de R$ 10 milhões.
Só o repasse emergencial foi cumprido. "Com o repasse, terminamos as aulas do primeiro semestre, mesmo sem condições. Neste ano, os problemas voltaram e piores. Sem segurança, sem limpeza, com o bandejão fechado, nós sem salário e os estudantes sem bolsa", diz Lia Rocha, presidente da Associação de Docentes da Uerj. Os docentes estão em greve desde o fim da última paralisação.
Em janeiro, a reitoria decidiu suspender o reinício do segundo semestre de 2016 por falta de condições básicas.
A Uerj agora negocia retomar os serviços de limpeza e elevador, e espera poder começar as aulas no dia 27. Também pretende entrar na Justiça contra o governo para obter o repasse de verbas.
HOSPITAL
O Hospital Universitário Pedro Ernesto tem 41 especialidades e é referência no Estado. Com capacidade para 512 leitos, trabalha hoje com 188. Em dezembro, eram 70, devido à falta de pagamento de salários.
A lenta retomada de atendimentos se deve ao fato de que seus servidores estão recebendo em condições um pouco melhores que os aposentados e demais servidores da Uerj. Por via judicial, o Estado foi obrigado a pagar esses servidores dentro do mês. Isso porque seus salários vêm do Fundo Estadual de Saúde, e não da Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia, como os dos servidores da Uerj.
Técnicos de enfermagem denunciam, porém, falta de materiais básicos e medicamentos. "Não temos insumos básicos. Falta esparadrapo, agulhas e medicamentos como antibióticos. Participei de uma cirurgia ontem, um paciente teve o rim retirado e não havia esparadrapos inteiros", diz Kátia Regina, 53.
O diretor, Edmar dos Santos, nega que haja falta de materiais, mas reconhece que existem problemas com medicamentos.
OUTRO LADO
O governo do Estado do Rio diz que tem se esforçado para buscar soluções para o que descreve como "quadro de graves dificuldades enfrentadas pela" instituição". Sinal disso, diz, é que 76% do orçamento total da Uerj foram repassados em 2016.
"Os repasses não ocorreram na sua totalidade devido à crise nas finanças estaduais, provocada pela significativa queda na receita de tributos em consequência da depressão econômica do país, pelo recuo na arrecadação de royalties e a redução dos investimentos da Petrobras."
A Secretaria de Fazenda nega que não tenha feito repasses em 2017, reitera que pagou os salários de janeiro, e diz que se esforça para quitar os de fevereiro.
Diz ainda que "os professores têm sido valorizados pelo governo estadual". "Desde o início de 2010, houve aumentos de salários para os professores da instituição que variaram entre 43,7%, no caso dos professores adjuntos, a 73,3%, para professores associados. O número de bolsas pagas a alunos de graduação subiu de 2.004, em 2007, para mais de 8.500."
Sobre a Faperj, diz que repassou a maior parte dos recursos para 2015 e 2016 –R$ 445,9 milhões em 2015 e R$ 330,8 milhões em 2016. 

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