11 de março de 2017

O Último Ano — um ano de mudanças?


leonardo padura
Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. É autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Escreve aos sábados,
a cada duas semanas.

Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress
Renata Borges de 11 de Fev de 2017
No dia 24 de fevereiro de 2018, conforme o que foi anunciado, o presidente cubano, general Raúl Castro -irmão, companheiro e herdeiro político de Fidel-encerrará suas funções como presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros de Cuba. Será a primeira vez em seis décadas que a ilha não terá em seu comando um membro da família Castro que tenha participado da luta insurrecional que levou à vitória revolucionária de 1959 e, dois anos depois, à declaração do caráter socialista do processo político cubano.
Desde que o próprio Raúl anunciou que em 2018 vai terminar sua presença à frente das responsabilidades máximas do Estado e do governo, começaram muitas especulações sobre, primeiramente, os nomes e figuras que podem fazer parte da sucessão e, em segundo lugar, a Cuba que Raúl pode deixar e que poderá começar a ser vivida a partir desse momento. Será uma Cuba igual? Será muito diferente?
Entretanto, o fato de Raúl Castro deixar de ser presidente não significa que ele não será mais o secretário geral do Partido Comunista de Cuba, o único partido legal no país e que, na estrutura política cubana, é na realidade o órgão decisório máximo. O próximo Congresso do Partido está marcado para 2021, razão porque, a partir desse cargo elevado, o general -se continuar à frente do Partido-exercerá autoridade indiscutida na tomada das grandes decisões previstas para o país.
O ano de 2016 terminou com três grandes fatores de comoção para os destinos da ilha: o desaparecimento físico de Fidel, que, embora distanciado do poder de fato, com toda certeza conservava grande influência sobre as diretrizes maiores. A chegada de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e a possibilidade sempre presente de uma revisão ou até reversão do processo de normalização das relações políticas e econômicas com os EUA, no qual ainda ficou como grande tema pendente a revogação ou flexibilização do embargo que se esperava com uma possível administração de Clinton (Hillary). E a notícia de que o país estava em recessão econômica (crescimento do PIB de 0,9% negativos) e que, com esforço, conseguirá crescer 2% em 2017, uma porcentagem muito insuficiente para as necessidades de estabilização econômica da ilha e, mais ainda, para uma melhoria do cotidiano complicado de seus cidadãos.
Um último ano de Raúl Castro à frente do governo e do Estado pode ser um período de intensas transformações que muitos consideram necessárias. Ou pode ser uma margem de espera para deixar essas transformações nas mãos dos próximos dirigentes máximos. Embora não se prevejam alterações políticas do sistema cubano, considera-se que é cada vez mais urgente ou mesmo imprescindível que haja modificações na estrutura econômica. Estas incluiriam, entre muitas outras, o processo prolongado e difícil de unificação monetária tantas vezes mencionado mas nunca posto em prática, uma abertura efetiva e dinâmica à inversão estrangeira, reclamada pelo próprio Raúl, um espaço maior para as pequenas e médias empresas privadas e cooperativas, que, não apenas em Cuba, já comprovaram sua capacidade de solução produtiva, salarial e de geração de empregos. Tudo isso faz parte das diversas áreas em que podem ser introduzidas transformações e que chegam até a uma possível reforma da Constituição para torná-la mais condizente com as novas realidades e exigências da sociedade.
Já se passaram dois meses desde a última sessão ordinária da Assembleia Nacional do Poder Popular (o Parlamento cubano) em que foi discutida mais uma vez a situação econômica tensa do país. Hoje em dia, enquanto Trump parece ter deixado a questão cubana de lado por estar absorto em outros tópicos mais complexos e explosivos, em Cuba não parecem ter se movido visivelmente os meios para alcançar transformações possíveis e até anunciadas. Tirando as notícias pontuais como a cooperação japonesa na modernização de alguns elementos da infraestrutura cubana ou o interesse de alguns investidores em chegar à ilha, ou em que se exportem mais tabaco ou rum, não se percebem mudanças no interior da estrutura cubana, nem sequer foram ouvidas declarações, fato que gera uma expectativa maior e faz pensar que a "modernização do modelo econômico cubano" vai continuar em seu ritmo pausado, mesmo nas condições difíceis em que a economia nacional se debate.
Enquanto isso, para a população cubana que não vive dos benefícios gerados pelo aumento do turismo na ilha, as condições de vida continuam com a mesma tensão e restrições gerados por salários insuficientes, em visto da alta contínua dos preços de produtos e serviços (preços esses muitas vezes multiplicados nos últimos 27 anos, enquanto o salário médio apenas dobrou), do desabastecimento dos mercados e das necessidades acumuladas em áreas tão sensíveis quanto a habitação.
Entrando no terceiro mês de 2017, faltando menos de um ano para a mudança anunciada de altos dirigentes políticos, os cubanos olham para o horizonte e esperam pelas decisões governamentais que possam transformar um panorama de dificuldades cotidianas que nem todos podem aliviar com a prática de alguma das atividades privadas permitidas pela lei, com viagens ao exterior na qualidade de "mulas" que retornam carregadas de mercadorias para alimentar o mercado negro, ou com o sonho, agora mais complicado, de emigrar. Apenas em um ano poderemos ver que país Raúl Castro vai deixar: se será uma Cuba um tanto diferente ou a mesma de hoje; uma Cuba onde as mentalidades tenham mudado de fato ou em que os movimentos e decisões continuem vindo da superestrutura política, hoje com Raúl, amanhã sem ele.
Tradução de Clara Allain 

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