24 de abril de 2017

Educar para construir um mundo civilizado, Isaac Roitman


As questões relativas entre a educação e os caminhos para uma civilização virtuosa são complexas. Para avançarmos, é necessária uma releitura da própria visão de educação, com um novo olhar para um futuro que nos espera. É indiscutível que o primeiro passo na educação básica é prover a competência na linguagem das letras e dos números. De um lado, é importante que o estudante seja também capacitado para exercer uma profissão que lhe proporcione uma vida digna. Em adição o educando deve ser preparado para um convívio virtuoso com seus semelhantes e com a natureza. Infelizmente os processos educativos formais (escola) e os informais (mídia) estão contaminados com estímulos ao individualismo, à violência, ao egoísmo, à intransigência, à intolerância, à competitividade, aos preconceitos etc. Por outro, é importante que, no convívio familiar, na mídia e sobretudo na escola, o educando seja preparado para uma vida cidadã virtuosa.
A cidadania plena garante direitos civis (liberdade, política, participação na vida pública etc.) e sociais (moradia, educação, saúde, mobilidade, segurança etc.). No entanto, ela impõe deveres como o respeito à lei, à convivência social civilizada e à preservação do meio ambiente. Os educadores devem ter a consciência de que seus valores pessoais e preconceitos não devem influenciar os seus educandos. Nesse contexto, diferentemente dos que pregam a escola sem partido, nenhum tema do passado, do presente e do futuro deverão ser excluídos do debate e da reflexão no ambiente escolar. O professor contemporâneo necessita ter o domínio do conteúdo, a atualização tecnológica e a capacidade de comunicação. Além disso, uma postura ética.
No ambiente familiar, os valores de convivência devem ser promovidos nos hábitos, costumes, entretenimento, relações com a comunidade, entre outros. A consolidação desses valores são fundamentais nas atitudes que devem ser voltadas para a liberdade, a ética, a justiça, a tolerância, a solidariedade, a consciência ecológica, o respeito e a generosidade. Repetidamente muitos falam e escrevem que a educação deve ser a prioridade das prioridades. É um discurso maravilhoso mas não pode só ficar na retórica. Educação deve ser uma política permanente do Estado e não de governos que às vezes promovem pequenas melhorias visando à publicidade e a dividendos para as campanhas eleitorais.
A atual educação no Brasil é precária em todos os seus níveis. Como aponta Gustavo Ioschpe, as avaliações nacionais e internacionais mostram que a única igualdade do nosso sistema educacional é demonstrar de ser igualmente péssimo. Levaremos décadas para a conquista da educação de qualidade para todas as crianças e jovens. Para isso, temos que começar a construção de um sistema de educação pública que seja compatível com a realidade do século 21. Nesse contexto, é importante considerar a velocidade cada vez maior na introdução de novos conhecimentos. No século passado, ele dobrava a cada 100 anos. Estima-se que, daqui há a três anos serão necessárias 12 horas para atingir essa marca.
O estudante, desde a primeira infância até a pós-graduação, como pregava Paulo Freire, deve ser um protagonista no processo educacional. A valorização do professor é uma premissa de uma boa educação e seu trabalho dever ter um reconhecimento social. Ele não pode, como no passado, ser o principal agente de acesso ao conhecimento. Deve ser um estimulador, um identificador das potencialidades e deficiências de cada um de seus estudantes. Os conteúdos trabalhados em ambiente escolar deverão ser ligados à realidade. Os avanços das tecnologias de informação e comunicação devem ser utilizados com inteligência e sabedoria. O conforto ambiental das escolas nos seus aspectos térmicos, luminosos, acústicos, lúdicos e funcionais, devem ser observados. A cumplicidade da escola com as famílias e com a sociedade é um pré-requisito essencial. Uma gestão eficiente e moderna é também fundamental. Os desafios são grandes. Lembremos o pensamento de Euclides da Cunha: "Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos". Não vamos mais adiar a reconstrução de nosso sistema educacional para que possamos ter um Brasil justo e civilizado.

 » ISAAC ROITMAN - Professor emérito e coordenador do Núcleo deEstudos do Futuro da Universidade de Brasília,pesquisador emérito do CNPq, membro daAcademia Brasileira de Ciências e membro doMovimento 2022 O Brasil que queremos.
Correio Brasiliense, 24/4/17

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