29 de junho de 2017

Luciene Tognetta fala sobre bullying e conflito escolar

27 de junho de 2017
Doutora em Psicologia Escolar aponta o papel das escolas e dos pais em casos de crianças e adolescentes que intimidam sistematicamente outras crianças

Fonte: Todos Pela Educação
Luciene Tognetta fala sobre bullying e conflito escolar
Blake Campbell/FreeImages



Conversamos com a pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Luciene Tognetta, pedagoga, mestre em Educação e doutora em Psicologia Escolar, sobre como proceder nos casos em que os pais recebem um aviso da escola sobre o filho estar envolvido em casos de agressões a outros estudantes. Embora o assunto seja complicado e delicado, a especialista aponta que um processo cuidadoso e amparado em uma formação específica sobre o assunto pode ajudar tanto as vítimas provocadoras (agressores) quanto as vítimas do bullying.

TPE: Quando um pai recebe a notificação da escola que o filho persegue alguém pela cor da pele ou pela orientação sexual, o que fazer?
Se os pais recebem um recado da escola de que o filho tem assediado ou diminuído alguém, claro que ele vai se sentir bastante incomodado. A primeira coisa a se fazer é ajudar o filho a reconhecer o quanto ele está errado. E reconhecer isso não significa dar uma lição de moral, mas dar a ele a possibilidade de ver o quanto o outro é parecido com ele em outros aspectos que não aquele que ele distinguiu via preconceito. A família precisa ir à escola, precisa que esse menino seja convidado a pedir desculpas àquele que ele ofendeu. Porém, esse não é processo tão fácil assim e aí entra a escola.

TPE: E o que as escolas podem fazer?
Há toda uma sequência de ações, um método muito específico para garantir a intimidade dos alunos, para ajudá-los a tomar consciência de suas próprias dificuldades. Já temos descrito na literatura sobre o assunto, frases, palavras, diálogos que vão fazer com que esses meninos tomem consciência dos problemas que eles têm.
Por exemplo, uma maneira de se autoavaliar: “Tenho conseguido perceber o que os meus colegas sentem quando os ofendo?”. A partir disso, ele vai ter de avaliar se ele tem conseguido ou não, observar as provas do que ele tem conseguido ou não e pensar junto com o professor como é que ele vai fazer para chegar lá. Isso significa que o pai não vai levar o filho dele diretamente para pedir desculpas para quem ele ofendeu, pois a escola deve propor todo um trabalho para que a vítima também seja fortalecida para enfrentar o agressor dela. Ou seja, com bullying ou outros conflitos escolares, a instituição escolar precisa dominar as metodologias que serão utilizadas, mas as escolas infelizmente não sabem o que fazer: nem com o pai do agressor, nem com o pai da vítima.

TPE: Muitos pais ainda veem a prática do bullying como “briga entre crianças”. Isso acaba sendo um fator que possibilita a disseminação do ato entre as crianças e jovens?
Os pais não sabem mesmo o que significam essas “brincadeiras”. Eles desconhecem, até porque eles têm uma falsa ideia de que se eles passaram por isso e conseguiram “vencer”, por assim dizer, os filhos também devem passar.
Os professores são outros atores nesta história que também nunca tiveram formação nesta temática de convivência e voltamos, portanto, ao complemento da primeira questão. Não existem políticas públicas no Brasil que insiram esse tipo de capacitação nos planejamentos das licenciaturas ou nas formações continuadas de professores. Logo, o que eles utilizam para educar, para poder resolver os conflitos entre pares é o jeito que os pais deles ensinaram e essas formas não são adequadas em situações de bullying.
O bullying tem várias características que precisam ser entendidas pelos professores (daí a necessidade de formação), uma delas é a paridade das relações. O bullying não é um problema entre professores e alunos, não é um problema entre pais e filhos; só existe bullying entre aluno e aluno, professor e professor, filho e filho (ainda que a idade seja diversificada). Esse tipo de violência exige uma reflexão além da instrumentalização dos professores, isto é, eles precisam entender porque que fazem determinada atividade. Os docentes têm de saber o que fazer para resolver os problemas de convivência na escola, tal qual devem saber o que fazer com o ensino da matemática ou da ciência, e isso só será possível pela formação que vem da universidade, que trazem insumos científicos sobre como proceder nestes casos.

TPE: Há a possibilidade da criança ou jovem estar repetindo um comportamento intolerante que existe em casa (por exemplo, preconceito racial dos pais)? Se esse for o caso, o que a escola pode fazer?
Sim, os pais nem sempre discordam da atitude dos filhos e eles podem realmente achar que o filho dele faz é “brincadeira”. Ele também pode, por exemplo, não concordar com a homossexualidade, questões de gênero, problemas raciais, e outras questões que envolvem valores pessoais. Moral da história: os pais compartilham dos mesmos valores do filho. Nesse caso, a escola vai ter que manter uma postura de assegurar o respeito à diversidade: “Pai, o senhor pode não concordar que uma pessoa seja diferente da outra, por exemplo, não concordar com um relacionamento homossexual, mas com relação ao espaço escolar, o senhor vai ter de respeitar, pois a escola trabalha com essas questões, esses valores. 

TPE: Esses agressores podem já ter sido vítimas da intimidação sistemática em outras ocasiões e por conta disso tentam “se vingar” praticando isso com outras pessoas?
O agressor pode sim ter sido vítima. Pode acontecer dele ter sido intimidado, agredido, menosprezado e que ele tenha conseguido superar essa situação apenas se utilizando da mesma violência com que isso aconteceu com ele. Por isso, essas crianças e jovens também precisam de ajuda. Eles precisam reconhecer que existem outras formas de superar uma condição de intimidação que não seja fazendo a mesma coisa – uma espécie de superação que a gente chama de justiça retributiva, que é o “toma lá, dá cá”. O que você está chamando de agressor que também provoca, na literatura nós chamamos de “a vítima provocadora”, ou seja, ela se utiliza dos mesmos instrumentos que a fazem ser vítima. Por exemplo, um menino chora muito e todo mundo passa a chama-lo de bebê chorão, como é que ele resolve esse problema? Chorando. Então é como se ele validasse, potencializasse a própria agressão que sofre. Isso é o que chamamos de vítima provocadora. Na maioria das vezes, as vítimas de bullying, quando reagem, reagem com agressão, pois lhes faltam as possiblidades de outros instrumentos mais assertivos.

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