21 de junho de 2017

Quais os desafios do ensino médio no Brasil, segundo a diretora de educação da OCDE

  
Elizabeth Fordham afirma que acesso, flexibilidade e qualidade estão no centro desse debate

O presidente Michel Temer (PMDB) sancionou, no dia 16 de fevereiro de 2017, a Medida Provisória que institui a reforma nacional do ensino médio. A mudança será implementada pelos Estados, de forma gradual. Ela prevê o aumento da carga horária para os alunos (o objetivo é chegar ao ensino integral), a reformulação do currículo (com a divisão por áreas de ensino) e sua flexibilização: a ideia é que os estudantes façam as disciplinas básicas e possam adaptar o currículo à área que pretendem seguir ou têm mais afinidade. Os estudantes terão apenas algumas disciplinas obrigatórias: matemática, português, educação física, artes, filosofia e sociologia. As duas últimas estavam de fora do texto anterior, mas acabaram incluídas na votação do texto no Congresso após reações negativas. 

Em tramitação desde 2013, como projeto de lei elaborado por uma comissão especial de deputados, a reforma foi acelerada pelo governo Temer com a edição a Medida Provisória em setembro de 2016, que passa a valer assim que é publicada, restando ao Congresso apenas confirmá-la ou rejeitá-la. A justificativa do ministro da Educação, Mendonça Filho, foi de que há uma “necessidade urgente de mudar a arquitetura legal desta etapa da educação básica” motivada, principalmente, pelos maus resultados dos estudantes no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Conselheira sênior e diretora de educação da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a inglesa Elizabeth Fordham esteve em São Paulo para o seminário internacional “Desafios Curriculares do Ensino Médio”, promovido pelo Instituto Unibanco entre 21 e 22 de junho. A OCDE  é uma entidade internacional que atua na produção de estudos sobre a economia internacional e, em especial, a respeito situação de seus 34 países-membros, em diversas áreas como educação, combate à corrupção e governança com foco no livre mercado. Fordham falou ao Nexo sobre desafios da reforma e da educação na última etapa do ensino básico, destacando a importância da qualidade e relevância do conteúdo oferecido para fazer valer as horas a mais no dia letivo e o interesse dos alunos pelo aprendizado: 
Quais princípios guiam a OCDE no aconselhamento de reformas educacionais em diferentes países? ELIZABETH FORDHAM Acho que o que distingue a abordagem da OCDE com relação à educação - que, como você sabe, é um campo que tende a ser ideológico, polarizado e politizado - é se basear em provas e pesquisa. São evidências sobre os países onde nós trabalhamos, seu estágio de desenvolvimento, necessidades do mercado de trabalho, fatores contextuais, e também de outros países, sobre o que funciona na área para a qual estamos olhando. Coletamos muitos dados diferentes, quantitativos e qualitativos, sobre os fatores correlatos ao sucesso no sistema educacional, em termos de justiça e qualidade.
 Que resultado vocês procuram? ELIZABETH FORDHAM  A perspectiva da OCDE é sempre que a educação, quando funciona bem, é um passo importante para uma vida melhor, individualmente, e para um futuro melhor para o país. Vemos a educação como uma forma de empoderamento para os indivíduos e uma alavanca de desenvolvimento para o país.
 Como você vê as políticas nacionais brasileiras voltadas para a educação básica? ELIZABETH FORDHAM  Acho que quando se olha para o Brasil em comparação com outros países de nível similar em renda e desenvolvimento, ele se destaca, frequentemente, como uma história de sucesso. É um país que ampliou o número de estudantes que se beneficiam do sistema educacional e os resultados de aprendizagem dos alunos. Também é apontado como exemplo de eficácia nas políticas em vários aspectos, seja na avaliação dos estudantes ou em medidas de redução da desigualdade. Em muitos sentidos, quando se olha para o Brasil em comparação com a América Latina ou a outros países em desenvolvimento, ele é uma história de sucesso. Quando se olha da perspectiva da OCDE, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Isso é empolgante para o Brasil, que traça publicamente o objetivo de ser parte da OCDE, o que é um sinal de que se trata de um país de grandes aspirações para seu povo e sua economia. É um país que mostrou progressos grandes e mais rápidos do que muitos dos seus vizinhos, mas o fosso em relação aos membros da OCDE permanece. Ao longo dos últimos dez a quinze anos houve uma mudança notável em termos da prioridade política dada à educação, isso é perceptível no aumento dos investimentos nessa área.   A reforma do ensino médio no Brasil estende o número de horas dos alunos na escola e torna o currículo mais flexível. 
Quais são as vantagens e desvantagens que podem ser encaradas no processo de implementação? ELIZABETH FORDHAM Em primeiro lugar, as duas medidas que você identificou na pergunta - estender o número de horas e instituir uma flexibilidade maior - são medidas que a OCDE recomendou ao Brasil para melhorar a educação. Em termos de desafios de implementação, quando se fala em ampliar o dia letivo, eu acho que a chave é certificar-se de que essas horas adicionais sejam usadas para um aprendizado de qualidade, e que haja ênfase em garantir tempo o suficiente para que o aluno domine habilidades básicas e essenciais. Muitos estudantes têm conhecimentos muito fracos de disciplinas que são a base do aprendizado. Acho que a decisão de estender o número de horas é positiva, mas seu efeito só será também positivo se esse tempo extra for bem usado e se o ensino for de boa qualidade. Quanto à flexibilidade [do currículo], essa é a direção da mudança tomada pela maioria dos países da OCDE, por introduzir muito mais escolhas para os estudantes. Isso é importante tanto por conta do que sabemos sobre como aprendemos como porque a educação precisa preparar estudantes para uma ampla gama de escolhas de vida e de carreira. Uma das críticas feitas ao modelo anterior do ensino médio é que ele era altamente uniforme e voltado para preparar uma elite para a universidade, e não para uma variedade maior de futuros. A introdução da escolha é muito positiva, mas administrar isso vai ser um desafio e manejar a força de trabalho dos professores para entregar um currículo mais amplo será uma questão, em termos de garantir que haja professores suficientes para cada área, mas também da perspectiva da eficácia: sempre há um impasse entre [oferecer] escolhas para os estudantes e a eficiência do sistema [educacional]. A forma como se administra a força de trabalho dos professores para que estudantes de todas as partes do país tenham acesso às mesmas possibilidades de escolha será um desafio. 
Qual a importância da participação de especialistas, gestores, professores, pais e alunos na elaboração e implementação da reforma? ELIZABETH FORDHAM Sua primeira pergunta foi sobre boas práticas e eu acho que um denominador comum básico de uma boa reforma é que ela seja inclusiva, envolvendo consultas. Mas acho particularmente importante ter um processo inclusivo não só em termos da implementação, mas também no design das políticas - essa é uma faixa etária em que os estudantes sabem o que querem e precisam ser ouvidos. Se olharmos para alguns dos fatores que estão minando o ensino nessa etapa, contribuindo para as altas taxas de evasão, eles têm a ver com o fato de que nem os pais nem os alunos veem valor nesse sistema, e por isso é particularmente importante, se você quiser melhorar essas taxas no país, explicar para a comunidade por que isso importa. E não se trata só de se conectar com professores, pais e alunos, mas com o setor produtivo. Um dos maiores brechas do sistema educacional brasileiro no ensino médio é o baixo desenvolvimento do ensino técnico e a escassez de oferta de instituições técnicas de alta qualidade, que vão ajudar os estudantes a obterem bons empregos. Instituições de ensino público no Brasil enfrentam problemas de infraestrutura e sua qualidade não é uniforme.
 É possível que uma reforma de âmbito nacional seja bem sucedida nesse contexto? ELIZABETH FORDHAM Sim,  acho que o Brasil mostrou a capacidade de adaptação de um país que é um dos mais diversos no mundo, que enfrenta uma variedade de desafios por ser um país desigual. Com políticas cuidadosamente desenhadas, sim, é possível, o que significa não ser uma solução simples. Em muitos países, para viabilizar a flexibilidade do currículo, houve parcerias entre escolas e o terceiro setor, com universidades e outros provedores de educação para ampliar a capacidade existente; nesse estágio de ensino, recursos digitais também podem fazer uma diferença valiosa na expansão do acesso a uma amplitude maior de escolhas. Há cerca de uma década, Portugal tinha a mesma taxa de participação [da população na força de trabalho] que o Brasil. Hoje essa taxa é quase universal e os resultados de aprendizagem seguem melhorando e o país  - que mesmo sendo menor [que o Brasil], enfrenta desigualdades significativas - mostrou ser possível progredir em um curto período de tempo.  a estratégia mais eficaz para o ensino médio é melhorar a qualidade dessas bases do aprendizado nos primeiros anos de escola Alguns países da OCDE superaram recentemente desafios semelhantes aos brasileiros, que  consistem basicamente em tornar a educação no ensino médio mais relevante, inclusiva para um grupo de estudantes mais diverso. A Irlanda é um outro exemplo. Acho que um dos fatores por trás do sucesso desses países é assegurar que estudantes tenham as bases para o aprendizado quando chegam ao ensino médio. A melhor estratégia para melhorar o ensino médio é melhorar a qualidade dessas bases, nos primeiros anos, especialmente identificando estudantes que estão enfrentando dificuldades no início e apoiando-os para que tenham uma transição melhor para o ensino fundamental e médio. o foco da reforma não é esse, mas o ensino técnico precisará de mais ênfase para se tornar eficaz Outro ponto é melhorar de fato a qualidade e relevância do ensino técnico. Nos últimos dez anos, o ensino técnico de um país como Portugal cresceu 40%, precisamos de uma expansão como essa no Brasil. Na perspectiva comparativa da OCDE, o que salta aos olhos sobre o Brasil é o subdesenvolvimento da oferta de ensino técnico.  No Brasil, escolas técnicas atraem bons estudantes e obtêm bons resultados, mas a maioria deles na verdade segue para a educação superior em vez de continuarem o treinamento ou irem para o mercado de trabalho. Então o foco do desenvolvimento do ensino técnico no Brasil precisa ser torná-lo uma alavanca dos estudantes dessa faixa etária para um emprego. A OCDE trabalhou em cerca de 50 países no desenvolvimento de um sistema de ensino técnico e as características qualitativas que surgem disso são determinantes para mostrar a eficácia: ele dá aos estudantes uma experiência relevante para o mercado de trabalho, habilidades melhores e aos empregadores, confiança. Os benefícios são múltiplos. Sei que o foco da reforma não é esse, mas é algo que precisará de mais ênfase para tornar o ensino técnico eficaz. Uma das críticas feitas à reforma é a diferenciação entre quem receberia uma formação técnica e quem receberia uma formação acadêmica, intelectual.
 Você acha que isso faz sentido? ELIZABETH FORDHAM  Esse risco é grande, mas não é o problema nesse momento. Um dos pontos fortes do ensino técnico que vocês têm hoje é fornecer uma base acadêmica relativamente rigorosa. Mas o risco é sempre - por várias razões, como a escassez de professores - que a educação acadêmica não seja central em escolas técnicas. o ensino técnico também precisa entregar qualidade nessas disciplinas centrais do currículo convencional Mas o que é extremamente importante é consolidar as habilidades básicas para o aprendizado - a maioria dos alunos de 15 e 16 tem capacidade muito fraca de leitura e escrita. Não importa em qual sistema o aluno estiver, técnico ou não, é central que seja colocada forte ênfase em melhorar o português e a matemática. E isso significa que o ensino técnico também precisa entregar qualidade nessas disciplinas centrais do currículo convencional porque caso contrário, o estudante pode conseguir um emprego amanhã, mas daqui a cinco anos, se algo mudar, ele não será capaz de aprender a fazer outra coisa porque não tem as ferramentas fundamentais para “aprender a aprender”. PHá mais de 1,7 milhões de jovens entre 15 e 17 anos que estão fora da escola no Brasil. A maioria deles são pretos ou pardos, pobres e/ou da zona rural. Como a falta de educação formal impacta a trajetória do jovem? Como transformar a escola em um local mais atraente e capaz de reter esses jovens? ELIZABETH FORDHAM Se a educação no ensino médio quiser ser inclusiva, vai precisar de uma abordagem diferente para chegar aos estudantes que estão completamente fora do sistema educacional, que estão nas comunidades marginalizadas e aqueles que deixaram a escola tendo aprendido muito pouco. A experiência dos países da OCDE, onde essas comunidades existem, embora não sejam tão grandes quanto no Brasil, mostra que isso exige um enfoque muito mais forte na relevância e na aplicação prática [do conteúdo ensinado], além de prover instrução de diferentes maneiras, como no ambiente de trabalho e pelo ensino noturno, que precisa melhorar muito sua qualidade [no Brasil]. Não há como atingir a universalidade do acesso sem melhorar a qualidade, caso contrário não será atrativo frequentar a escola Mas também é preciso trabalhar na construção da demanda de um nível mais alto de educação por parte dos jovens, e isso nos leva de volta à qualidade e relevância dos cursos oferecidos. Não há como atingir a universalidade [do acesso] sem melhorar a qualidade, caso contrário não será atrativo [frequentar a escola]. A questão de ampliar a formalização no mercado de trabalho está além do meu escopo, mas quanto mais reconhecidas forem as habilidades, em termos de garantirem empregos melhores, maior o incentivo para continuar estudando.  Você participou de uma reforma educacional semelhante na Indonésia, um país tão populoso quanto o Brasil. Qual a comparação possível entre os dois casos? ELIZABETH FORDHAM  Comparar os dois países é interessante porque, como você disse, eles têm o mesmo tamanho e, de certa forma, uma diversidade territorial parecida. O Brasil tem sido muito mais bem sucedido em termos de reduzir desigualdades. Claro que sempre se pode melhorar, mas o Brasil foi bem sucedido no papel do governo federal no tratamento da desigualdade e no aproveitamento da diversidade de um sistema federativo, em termos de adaptar o ensino às diferentes regiões. É esse o benefício de um sistema como esse, que tanto o Brasil quanto a Indonésia têm. Mas o que o Brasil fez e a Indonésia não é dar aos Estados o papel de equalizar, com sua economia, as diversidades, garantindo porém um forte papel distributivo para o governo federal, que também fornece normas comuns na educação, como um padrão nacional de currículo [a Base Nacional Comum], o que garante que todos os estudantes tenham a mesma oportunidade de acesso, mesmo que não exatamente a mesma entrega ou program

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